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Inclusão e sustentabilidade na mobilidade urbana, por Lúcia Mendonça

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Wilson Dias/Agência Brasil

Inclusão e sustentabilidade na mobilidade urbana

Depois da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Belém do Pará/PA no Brasil, de 10 de novembro a 21 de novembro de 2025, nos coube fazer algumas considerações no Setorial Nacional de Logística, Transportes e Mobilidade Urbana do PT, vejamos:

A questão da mobilidade urbana não se limita à questão do uso excessivo do automóvel, como geralmente ocorre em países desenvolvidos. No Brasil, ao contrário, a maior parte da população não possui renda suficiente para adquirir um veículo próprio.

A mobilidade urbana agrava ainda mais a desigualdade social, pois a relação renda/acesso ao automóvel está diretamente ligada à quantidade de deslocamentos diários que cada parcela da população faz, ou seja, ao potencial de mobilidade urbana. As classes de renda mais alta, que têm acesso ao carro, possuem maior mobilidade que as de renda mais baixa. A mobilidade espacial é um paradigma da mobilidade social, pois quanto maior a facilidade de locomoção, maior o acesso aos equipamentos sociais da cidade, como escolas, emprego, saúde, centros culturais e do lazer.

Aumentar a mobilidade da população, principalmente da população de mais baixa renda, pode criar condições para que a cidade desempenhe seu papel de oferecer oportunidades desiguais a todos os cidadãos.

A mobilidade urbana favorece a mobilidade social, pode-se citar como exemplo Medelín, na Colômbia.

No quesito sustentabilidade, o atual padrão de mobilidade urbana também tem efeitos diretos sobre a qualidade do meio ambiente.

Sociedades que privilegiam o transporte motorizado individual em detrimento do transporte público e não motorizado tendem a contribuir de forma muito mais significativa para o aquecimento global, devido as emissões de gases de efeito estufa decorrentes do uso de combustíveis fósseis.

Este padrão também provoca significativos impactos sobre a qualidade do ar. Em cidades como São Paulo (Brasil), as emissões de poluentes dos veículos automotores respondem pela maior parte da poluição atmosférica (CETESB, 2008), que, por sua vez, gera graves problemas de saúde pública, como doenças respiratórias e cardíacas, onerando ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS).

Em seu Programa de Mudanças Climáticas, além da melhoria do transporte público e da revalorização do espaço urbano, a União Europeia incorporou o uso integrado da bicicleta como uma das estratégias de redução das emissões de gases de efeito estufa, da poluição do ar e dos congestionamentos (UNIÃO EUROPEIA, 2006).

A mobilidade urbana é, ao mesmo tempo, causa e efeito do desenvolvimento urbano e integra as ações dos principais agentes e fatores que afetam a forma como uma cidade se desenvolve. Daí ser necessário, em longo prazo, associar às políticas de mobilidades as ações destinadas ao controle da expansão urbana, de forma a promover-se o adensamento populacional das cidades.

O Estatuto das Cidades aponta no sentido de os planos de mobilidade urbana serem parte integrante dos planos diretores e articulados às leis de zoneamento, promovendo ações de controle das condições de mobilidade da população, de modo a favorecer a construção de cidades menos excludentes.

A deterioração da qualidade de vida nos grandes centros urbanos brasileiros, em que pesem as suas múltiplas causas, pode ser detida em grande parte, através da adoção de uma política de mobilidade urbana que considere o espaço urbano e o tempo como bens escassos e não substituíveis,

A prioridade do atendimento à circulação do pedestre e de bicicletas; a recuperação das áreas verdes, hoje comprometidas por causa dos estacionamentos; e o aumento da acessibilidade às diferentes áreas da cidade são itens essenciais para uma mobilidade urbana que assegure o acesso a todos aqueles equipamentos de interesse coletivo como universidades, centros esportivos e culturais, museus e parques, além dos locais de trabalho.

A sustentabilidade da política de mobilidade urbana repousa num conjunto de meios que permitam a sua continuidade no tempo e, em nosso País, se inserem nos seguintes marcos institucionais e legais: Constituição Federal de 1988; Código de Trânsito Brasileiro, de 1998; o Estatuto da Cidade, de 2001; e a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012 (BRASIL, 1988, 1998, 2001, 2012). Uma ordenação legal e institucional e recursos permanentes que confiram estabilidade à ação do Estado no setor e às suas relações com a iniciativa privada são condições necessárias à sustentabilidade da mobilidade urbana.

No âmbito das relações entre municípios, estados e União, essa condição se expressa na superação dos conflitos devidos à superposição de competências que se entrelaçam e se desdobram em outras, como nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, entre o município central e o agente metropolitano, com reflexos nas políticas setoriais. Esse quadro se agrava sobremaneira com as injunções de governos de partidos divergentes, dos interesses econômicos dos operadores privados municipais e metropolitanos e pelo distanciamento do Executivo e do Legislativo na priorização na agenda social e política dos crescentes problemas do transporte urbano e, especialmente, metropolitano. Sabe-se que o crescimento desordenado das cidades produz reflexos negativos sobre os transportes urbanos e leva a cidades menos acessíveis para todos os habitantes. Uma política de investimento que não favorece o transporte público e uma política de uso de solo que não leve em conta a mobilidade urbana contribuem para o aparecimento de um número cada vez maior de veículos particulares nas ruas, agravando os congestionamentos e gerando uma pressão política por maior capacidade de tráfego das avenidas, túneis e viadutos.

O aumento do tempo de viagem provocado pelos congestionamentos faz com que o transporte público fique cada vez mais lento e desacreditado. Em consequência, os moradores procuram os meios de transporte possíveis, com a tendência sempre crescente do aumento do número de automóveis particulares e o surgimento de modos alternativos ao transporte público, tais como vans, mototáxis e aplicativos como Uber,  99, entre outros.

Desta forma, a degradação da qualidade de vida e os custos econômico, social e ambiental relacionados aos transportes urbanos podem ser muito elevados. Como se sabe, debate de política pública deve primar, antes de qualquer coisa, por um objeto de estudos de caráter estrutural, menos conjuntural.

Hoje nas cidades que não tem subsídios para operação de transporte públicos trabalhadores estão com salários atrasados, motivos de greves constantes e empresas fechando as portas e o estado sendo obrigado a criar fundos públicos para gerenciar crise. E é sob essa perspectiva, de longo prazo, que temos de construir políticas públicas de mobilidade urbana que atendam os interesses da sociedade prioritariamente dos trabalhadores e do Estado investindo nos modais que cumpram o seu papel social.

Esse conceito tem como ponto de partida a percepção de que transporte não é um fim em si mesmo, mas uma forma da população acessar os destinos desejados na cidade. Desta forma, o sistema de mobilidade urbana pode ser considerado como um conjunto estruturado de modos, redes e infraestruturas que garante o deslocamento das pessoas na cidade e que mantém fortes interações com as demais políticas urbanas. A mobilidade urbana é, portanto, um atributo da cidade e é determinada, principalmente, pelo desenvolvimento socioeconômico, pela apropriação do espaço e pela evolução tecnológica.

Pergunto: _ Não seria a hora de implantarmos a Tarifa Zero?

Lúcia Maria Mendonça Santos, engenheira civil, mestre em engenharia de transportes e gestão territorial (UFSC) e Coordenadora Nacional do Setorial de Logística, Transportes e mobilidade Urbana do PT.


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