O acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul voltou a enfrentar fortes obstáculos políticos. Nesta quarta-feira, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, afirmou que o país ainda não reúne condições para assinar o tratado, alegando que faltam garantias essenciais para proteger o setor agrícola italiano.
Em discurso no Parlamento, Meloni disse que a assinatura nos próximos dias seria precipitada, já que algumas salvaguardas defendidas por Roma ainda não foram finalizadas. Apesar disso, a premiê destacou que está confiante de que um consenso possa ser alcançado no início de 2026, afastando a ideia de um veto definitivo ao acordo.
Enquanto a Itália adota uma postura cautelosa, a França sinalizou oposição frontal. O presidente Emmanuel Macron afirmou que, caso as instituições europeias tentem avançar com o tratado sem consenso, o país se posicionará de forma contundente contra a aprovação. A resistência francesa tem como principal base o receio de impactos negativos sobre os agricultores locais.
A Comissão Europeia, com apoio de países como Alemanha e Espanha, tenta garantir aval suficiente dos membros do bloco até o fim do ano para concluir o acordo, que envolve Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Pressão do Brasil e divisão na Europa
Na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu publicamente que França e Itália assumam responsabilidade política e liberem a assinatura do acordo, prevista para ocorrer durante a cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu (PR). O tratado criaria a maior área de livre-comércio do mundo, ampliando exportações europeias de bens industriais e facilitando a entrada de produtos agrícolas sul-americanos no mercado europeu.
Mesmo com o apoio de diversas economias relevantes do bloco, como Alemanha, Espanha, Portugal e Grécia, o impasse persiste. França, Hungria e Polônia mantêm posição contrária, enquanto outros países ainda evitam declarar apoio explícito.
Antes da reunião do Conselho Europeu em Bruxelas, Meloni afirmou que a Itália vem negociando intensamente com a Comissão Europeia para incluir medidas adicionais. Entre as demandas estão mecanismos de salvaguarda mais rígidos, criação de um fundo de compensação e normas sanitárias mais severas para pragas e doenças.
Segundo a premiê, embora essas propostas tenham avançado, ainda não estão plenamente definidas, o que torna prematura qualquer assinatura imediata. Ainda assim, ela reforçou que Roma não pretende barrar o acordo como um todo.
Bastidores e interesses econômicos
De acordo com informações do Financial Times, a postura italiana pode também refletir uma estratégia de barganha para obter benefícios adicionais no orçamento da UE, especialmente voltados ao setor agrícola. Enquanto a Confindustria, principal entidade industrial do país, defende a rápida aprovação para impulsionar exportações, o poderoso lobby rural Coldiretti exige mais proteção contra a concorrência de produtos sul-americanos.
A maior resistência ao tratado vem de produtores rurais europeus, sobretudo na França, que temem não conseguir competir com importações mais baratas do Mercosul. A tensão cresce em meio a protestos agrícolas e a debates sobre políticas sanitárias, ampliando a pressão política sobre Macron.
Lideranças agrícolas francesas já sinalizaram que, caso o acordo avance, haverá mobilizações, bloqueios de estradas e ações para monitorar importações nos portos.
Pelas regras da UE, a aprovação do acordo exige o apoio de ao menos 15 dos 27 países, que representem 65% da população do bloco. Como a Itália é o terceiro país mais populoso da União Europeia, sua posição se tornou decisiva.
Recentemente, o Parlamento Europeu aprovou um pacote de salvaguardas agrícolas mais rígidas, reduzindo os limites de variação de preços e volumes de importação, numa tentativa de vencer resistências, especialmente de franceses e italianos.
Autoridades europeias alertam que não concluir o acordo até o fim do ano pode colocar em risco décadas de negociação. Um adiamento para 2026, somado a mudanças no cenário político europeu e brasileiro, pode, na prática, enterrar o tratado.
O que está em jogo
O acordo UE-Mercosul prevê a integração de um mercado com cerca de 780 milhões de consumidores, fortalecendo a indústria europeia e o agronegócio sul-americano. Também é visto como estratégico para reduzir a dependência comercial dos Estados Unidos e ampliar a presença europeia na América do Sul, onde a China vem ganhando espaço.
Apesar do potencial econômico, o futuro do tratado segue incerto, travado por disputas políticas, pressões internas e interesses divergentes dentro da própria União Europeia.
