O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje e amanhã da cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia (UE) em Santa Marta, na Colômbia. É incontornável que a Venezuela, sob ameaça de ataque dos Estados Unidos, esteja na pauta. A situação exigirá de Lula cautela e habilidade diplomática. Ao mesmo tempo que, como todos os presentes, ele deve se opor a qualquer intervenção militar na América Latina, precisa evitar declarações que ponham em risco as negociações bilaterais em curso com os americanos para revogar o tarifaço imposto às exportações brasileiras por Donald Trump.
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Diante da Venezuela, a missão do governo brasileiro é trabalhar diplomaticamente para que o ditador Nicolás Maduro aceite abdicar do poder sem conflito armado. O Brasil tem boas razões para temer uma intervenção militar americana próxima à fronteira norte. Nem os estrategistas em Washington chegam a consenso sobre o que desejam como desfecho caso usem a força para derrubar Maduro.
Num cenário benigno, as Forças Armadas venezuelanas apoiariam um governo interino até a realização de novas eleições e, com investimentos e garantias externas, a situação econômica se manteria estável. Mas o histórico de intervenções externas no continente não recomenda otimismo. No pior cenário, a Venezuela cairia numa guerra civil, com facções armadas lutando pelo controle do contrabando e outras atividades ilegais.
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O caos poderia transformar o país numa versão sul-americana do Iraque pós-Saddam Hussein. Soldados, ex-soldados e paramilitares em dificuldades financeiras poderiam se aliar ao crime organizado no Brasil, fornecendo armas pesadas. Nas últimas três décadas, o governo venezuelano usou o dinheiro do petróleo para comprar armas russas, incluindo fuzis e mísseis antiaéreos portáteis.
Outros riscos estão na ampliação do tráfico de drogas e do garimpo ilegal na Amazônia. Para não falar em uma inevitável nova onda migratória. Embora o pior seja improvável, nenhuma dessas situações pode ser descartada. E, mesmo que a derrubada de Maduro tenha final feliz, um ataque militar na América do Sul abriria precedente perigoso. Hoje a justificativa alegada são as drogas. No futuro, o que impediria os americanos de mirar a Amazônia sob qualquer pretexto?
Mas, se Lula está certo ao se opor a um ataque militar contra Maduro, isso não pode servir de desculpa para improvisos ou declarações de indignação com o objetivo de agradar à claque da esquerda latino-americana — a começar pelo anfitrião, o colombiano Gustavo Petro. Nada do que Lula disser diante do microfone na cúpula terá o condão de evitar o conflito. Para obter êxito, qualquer pressão sobre os americanos deve ser planejada e executada em conjunto com os demais países.
Dessa forma, Lula evitaria o protagonismo que invariavelmente contaminaria as negociações sobre o tarifaço, hoje prioritárias para o interesse nacional. Os resultados positivos da balança comercial, com prejuízo limitado às exportações, comprovaram a capacidade do empresariado brasileiro de encontrar novos mercados. Mas seria uma ilusão acreditar que o país pode abrir mão do acesso à maior economia do mundo e de manter relações produtivas com os Estados Unidos.
