A violência de gênero não se revela apenas nos episódios mais explícitos. Ela se infiltra no cotidiano e se manifesta quando mulheres têm sua fala interrompida, quando suas experiências são deslegitimadas ou quando suas contribuições precisam ser traduzidas por um homem para serem levadas a sério.
Esses gestos produzem um cenário de desigualdade que pode ser visto no ambiente de trabalho, na política e nas relações cotidianas. Dentro do vocabulário feminista, esse comportamento é conhecido como mansplaining, expressão usada para identificar situações em que homens se colocam como autoridades diante de mulheres, partindo da suposição de que elas sabem menos, mesmo quando são elas que dominam o assunto.
Como o termo “mansplaining” se tornou parte do debate público
A palavra mansplaining é formada pela junção de man (homem) com explaining (explicar), usada para descrever a situação em que um homem “explica” algo a uma mulher de maneira paternalista, partindo da ideia de que ela sabe menos. O termo ganhou projeção internacional após o ensaio de Rebecca Solnit, Men Explain Things to Me, publicado na revista Guernica em 2008. No texto, Solnit relata que durante uma conversa, um homem a interrompia repetidamente para explicar o conteúdo do livro que ela mesma havia escrito.
Embora Solnit não tenha criado a palavra, sua história circulou intensamente nas redes e conectou milhares de mulheres que já tinham vivido a mesma experiência. A viralização levou a fluxogramas bem-humorados sobre como identificar o comportamento, e ao reconhecimento oficial do termo pelo Dicionário Oxford, que incluiu mansplaining em 2018.
A consolidação do termo também chamou a atenção da academia. Pesquisadoras e pesquisadores passaram a tratar o mansplaining como um fenômeno social relevante, capaz de revelar relações de poder que moldam a comunicação entre homens e mulheres. A linguista Maria Szymanska, da Universidade de Lódz, analisa mansplaining como parte de uma tendência linguística que cria neologismos de gênero para nomear práticas antes naturalizadas, tornando visíveis mecanismos de silenciamento que antes passavam despercebidos.
Por que o mansplaining acontece
O mansplaining é produto de estruturas culturais que historicamente colocam os homens como detentores legítimos do conhecimento e tratam a palavra das mulheres como secundária. Essa assimetria aparece em diferentes frentes.
Primeiro, há o que pesquisadoras chamam de viés de autoridade masculina. Décadas de socialização reforçaram a ideia de que homens são mais racionais, objetivos e preparados para explicar, enquanto mulheres seriam mais emocionais e, portanto, menos confiáveis como fontes de informação. Mesmo que ninguém diga isso explicitamente, esse imaginário atua de forma inconsciente em conversas, reuniões e decisões.
O campo da linguística também ajuda a entender esse processo, uma vez que o mansplaining se apoia em uma lógica que distribui poder pela linguagem. Quem explica ocupa o lugar de quem “sabe”; quem é explicado é colocado na posição de quem “precisa aprender”. Essa hierarquização de papéis segue padrões de gênero que já estão embutidos no modo como interagimos.
Há ainda a dimensão organizacional. Estudos mostram que ambientes dominados por homens, especialmente em cargos de liderança, tendem a reforçar comportamentos competitivos, excesso de confiança masculina e pouca disposição para ouvir mulheres. O resultado é um ciclo em que homens se sentem autorizados a explicar o que mulheres precisam provar repetidamente que já sabem.
O mansplaining também é alimentado por uma expectativa desigual de competência. Pesquisas em psicologia social apontam que, quando um homem fala com convicção, mesmo sem domínio técnico, é percebido como assertivo. Quando uma mulher faz o mesmo é mais frequentemente lida como agressiva ou “sensível demais”. Essa diferença de julgamento incentiva que homens expliquem e desestimula que mulheres se afirmem.
Some-se a isso o que especialistas chamam de “excesso de confiança masculina”, fator que faz com que homens se superestimem e subestimem a das mulheres, o que aumenta a probabilidade de explicações para um assunto que as mulheres dominam.
Por que o mansplaining é um tipo de violência simbólica
O mansplaining é considerado uma forma de violência simbólica porque produz efeitos que atuam sobre a percepção de competência, autoridade e legitimidade das mulheres, elementos centrais para qualquer pessoa que busca ocupar espaços de decisão. Esse tipo de violência não deixa marcas visíveis, mas reorganiza silenciosamente quem pode falar, quem é ouvido e quem tem sua palavra posta em dúvida.
A pesquisadora Caitlin Briggs, da Universidade Estadual de Michigan, mostra que o impacto do mansplaining é profundamente desigual entre homens e mulheres. Quando homens passam por uma situação parecida, como alguém explicando algo que eles já sabem, o incômodo tende a ser pontual e rapidamente esquecido. Para as mulheres, no entanto, o episódio é interpretado como parte de um padrão: um lembrete de que sua competência é contestada sistematicamente.
Nos estudos de Briggs, as mulheres relataram que, após episódios de mansplaining:
- evitam falar em reuniões para não serem corrigidas sem necessidade;
- deixam de colaborar com homens que já as desautorizaram publicamente;
- registram o episódio como preconceito ou desrespeito ligado ao gênero;
- sentem impacto direto na autoconfiança e na percepção de que são respeitadas no trabalho.
Essas reações se acumulam porque o mansplaining reforça a ideia de que o conhecimento masculino é sempre mais confiável. Quando um homem toma a explicação para si, ele assume simbolicamente o lugar de mediador do saber e relega à mulher o papel de ouvinte, mesmo que ela seja a especialista no assunto.
É esse deslocamento constante que caracteriza a violência simbólica. Um mecanismo que naturaliza posições de poder e faz com que a autoridade feminina seja sempre contestada ou vigiada. Pierre Bourdieu, que cunhou o conceito, descreve a violência simbólica como aquela que age justamente onde parece haver apenas “mal-entendidos”, “brincadeiras” ou “excesso de zelo”. Mas seu efeito é preciso e coloca grupos inteiros em posição de desvantagem.
No caso do mansplaining, a violência simbólica opera assim:
- redefine quem tem legitimidade para falar;
- desvaloriza o conhecimento das mulheres;
- faz com que elas gastem energia provando algo que os homens não precisam provar;
- desencoraja a participação e o protagonismo;
- fortalece hierarquias de gênero dentro de equipes e instituições.
Portanto, não se trata de “explicar demais” ou de “um jeito de falar”. Trata-se de um mecanismo de desautorização sistemática, que mantém homens no centro das conversas e empurra as mulheres para as margens. O que está em jogo não é a conversa do momento, mas a estrutura que decide quem é ouvido, quem é corrigido e quem é reconhecido como autoridade.
Como o mansplaining funciona na prática
O mansplaining se sustenta em três movimentos muito comuns.
A presunção de superioridade masculina
Homens assumem que têm mais informações, ainda que a mulher tenha formação, experiência ou cargo que comprovem domínio técnico.
A interrupção ou correção desnecessária
O homem intervém para explicar algo que já foi explicado, revisar um ponto que estava claro ou corrigir detalhes inexistentes.
A deslegitimação da fala feminina
A fala da mulher passa a ser tratada como insuficiente, imprecisa ou incompleta. Isso desloca a credibilidade para aquele que interrompe.
A soma desses gestos produz um ambiente de desconfiança permanente em relação às mulheres, que sentem a necessidade de comprovar competência repetidas vezes.
Outras formas de silenciamento que caminham junto com o mansplaining
A dinâmica de desigualdade não se limita a um único comportamento. Entre as práticas mais comuns estão:
Manterrupting
Mulheres têm sua fala interrompida repetidas vezes e não conseguem concluir raciocínios em reuniões.
Bropriating
Uma ideia apresentada por uma mulher só recebe atenção quando repetida por um homem, que muitas vezes passa a ser visto como autor da proposta.
Essas condutas reforçam um padrão que distribui autoridade de forma desigual e diminui a presença das mulheres em decisões importantes.
Como identificar e enfrentar o mansplaining no dia a dia
Reconhecer o mansplaining é essencial para combater a desigualdade de gênero na sociedade. A identificação passa por observar se a fala feminina é tratada com menos legitimidade que a masculina e se a intervenção dos colegas está baseada em suposições e não em necessidade.
Instituições podem enfrentar o problema com práticas como:
- formação continuada sobre igualdade de gênero
- políticas claras de prevenção ao assédio
- ambientes de escuta ativa
- ações que valorizem e visibilizem o trabalho das mulheres
A mudança também depende de quem testemunha essas situações. O silêncio fortalece padrões e normaliza comportamentos que deveriam ser questionados.
Fontes consultadas
BRIGGS, Caitlin.Research on gendered incivility and the impact of mansplaining in the workplace. Michigan State University, East Lansing, Acesso em 06/12/2025:
DONALDSON, Susan. The Assertiveness Guide For Women.
LAUCH, Katarina; SCHWEITZER, Linda; SMITH, Chelsie. Mansplaining in the workplace: Understanding gendered incivility. Carleton University, Ottawa, Canadá. Publicado originalmente em The Conversation. Acesso em 06/12/2025:
PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.Cartilha PGFN Sem Assédio. Brasília: Ministério da Fazenda, s.d.
SOLNIT, Rebecca. Men Explain Things to Me. Guernica Magazine, 2008.
SZYMANSKA, Maria. Gendered neologisms beyond social media: the current use of “mansplaining”. Acesso em 06/12/2025.
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
