Michelle Bolsonaro dobra a aposta: “único nome da direita” e o fantasma do “golpe do Judiciário”
O que Michelle disse em Londrina — e por que importa
Em Londrina, no encontro do PL Mulher, Michelle Bolsonaro subiu o tom: disse que Jair Bolsonaro é o “único nome da direita” para 2026, acusou o STF de “governar o país” e afirmou que o Congresso está “de joelhos”. Ainda defendeu a “submissão saudável” da esposa ao marido e atacou universidades e a esquerda. O combo foi pensado para a plateia conservadora — identidade, religião, antagonismo — e para testar limites: se Bolsonaro não estiver no pleito, será “fruto de um golpe do Judiciário”, disse ela. O registro do evento em Londrina e as falas-chave foram publicados por veículos locais e por portais de política.
O contexto jurídico real: condenação e derrota em recurso
Fato duro: o ex-presidente foi condenado pela Primeira Turma do STF por tentativa de golpe de Estado e outros crimes, somando 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicialmente fechado (pena reduzida pela idade). A maioria se formou em 11 de setembro de 2025. Na sequência, a mesma turma rejeitou por unanimidade os embargos da defesa, mantendo a condenação. Ou seja, no mundo jurídico, a narrativa do “golpe do Judiciário” bate na parede dos acórdãos.
A tese do “Congresso de joelhos” — crítica política ou cortina de fumaça?
Michelle diz que o Judiciário governa, e que o Congresso se dobra. É uma tese forte para quem vive de mobilizar base. Mas, se isso fosse literal, por que a defesa de Bolsonaro apostou em recursos no STF até agora? O discurso ignora que os freios e contrapesos estão previstos na Constituição e que decisões judiciais podem, sim, desagradar políticos. Isso é o oposto de golpe: é separação de Poderes em funcionamento, com possibilidade de defesa, voto nominal e publicidade dos atos. A prova? Houve julgamento colegiado, votos escritos, placar conhecido e embargos apreciados — e rejeitados.
Estratégia eleitoral: unir a tropa, estressar as regras
No palco, Michelle tenta duas coisas ao mesmo tempo. Primeiro, manter a coesão do bolsonarismo em torno de um “candidato inevitável” — o marido. Segundo, transformar decisões judiciais em combustível político (“se não concorrer é porque nos impediram”). O subtexto é cristalino: manter a chama da candidatura acesa enquanto as saídas legais se fecham. A dúvida: essa narrativa amplia ou estreita o eleitorado? Discurso que dita “não há outra opção” pode energizar a militância, mas costuma repelir o centro que decide eleição.
O plano B com cara de plano A: Flávio no radar
Enquanto Michelle fala em inevitabilidade, cresce a especulação de que Flávio Bolsonaro pode virar o “porto seguro” do clã em 2026, caso o pai permaneça inelegível ou preso. Reportagens recentes descrevem o senador assumindo a linha de frente contra o STF e ganhando musculatura interna no PL. Se Bolsonaro é o mito, Flávio trabalha para ser o veículo. E Michelle? Pode ser o elo emocional com o eleitorado evangélico — ativo valioso em uma chapa puro-sangue da direita.
Moralidade seletiva: entre a “submissão saudável” e o pragmatismo do poder
A defesa pública da “submissão saudável” casa com a pauta religiosa que Michelle carrega pelo país. É uma narrativa identitária potente, mas que cobra pedágio no eleitorado feminino independente. Pergunta simples: o que é “saudável” quando políticas públicas exigem autonomia econômica, proteção contra violência e igualdade de oportunidades? O apelo religioso tem tração; porém, em campanha majoritária, vira teste de tensão com direitos individuais e com a pauta liberal de costumes.
Universidades, esquerda e redes: o espantalho perfeito
Michelle atacou universidades federais, falou em “jovens homossexuais apoiando o Hamas” e criticou a regulação das redes como plano “comunista”. É a fórmula clássica: pintar a academia como antro da esquerda e a regulação como mordaça. Só que o debate real sobre plataformas é bem menos épico e bem mais técnico (responsabilidade algorítmica, transparência, moderação, abuso). O problema do espantalho é sempre o mesmo: funciona em auditório, tropeça na hora de convencer o eleitor moderado que quer soluções, não slogans.
O que fica depois do palanque
Politicamente, o giro de Michelle em Londrina consolida três mensagens: 1) a condenação do marido vira ativo de mobilização; 2) a direita terá “um” Bolsonaro na cédula, com ou sem Jair; 3) a pauta conservadora seguirá no centro do palco. Juridicamente, porém, a realidade é binária: há uma condenação pesada e recursos já fracassaram. Retórica não derruba acórdão. E 2026 não espera ninguém: a máquina partidária precisa de prazos, alianças, vice, programa, dinheiro. A pergunta que vale a eleição: a narrativa de “perseguição” transforma dor jurídica em voto útil fora da bolha?
E agora?
Se o bolsonarismo bancar a tática do confronto permanente, tende a manter o núcleo duro — e perder o entorno. Se calibrar o discurso e apresentar plano econômico, segurança pública com metas e proposta crível para governabilidade, pode reabrir portas no centro. Michelle escolheu o primeiro caminho em Londrina. Foi barulho para dentro. Para 2026, o jogo pede algo a mais: mapa, bússola e proposta. Sem isso, o “único nome da direita” vira apenas mais um slogan.
Três perguntas que ninguém no PL quer responder em voz alta:
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Jair disputa? Ou serve de escudo até o último minuto enquanto o plano B amadurece?
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Flávio é alternativa real ou apenas ameaça para pressionar aliados?
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Michelle quer ser cabo eleitoral… ou protagonista na urna?
