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Morre Teuda Bada, fundadora do grupo Galpão em MG; relembre entrevista do BdF

by admin

Morreu, aos 84 anos, a atriz Teuda Bara, uma das fundadoras do Grupo Galpão, um dos coletivos teatrais mais importantes do país. A artista completaria 85 anos no próximo dia 1º de janeiro. Ela estava internada desde 14 de dezembro devido a uma fratura na perna causada por uma queda em casa.

O velório acontece nesta sexta-feira (26), a partir das 10h, no foyer do Palácio das Artes, em Belo Horizonte (MG), mesmo local onde será realizada a cerimônia de despedida. Teuda deixa dois filhos, André e Admar.

Em 29 de outubro de 2024 o curta-metragem estrelado por ela, Ressaca, fez parte da programação do 25º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (FestCurtasBH). Ao lado do diretor, Pedro Estrada, concederam uma entrevista ao Brasil de Fato MG.

Relembre a entrevista

Parte do filme Ressaca se passa dentro da casa de Teuda, espaço que imprime a sua personalidade nos mínimos detalhes, dos quadros e cores vibrantes ao pomar que se instala no quintal, cheio de frutos, assim como a sua própria carreira, cercada de momentos marcantes.

“No dia da filmagem, o Pedrinho [Pedro Estrada] e o João [Santos] sempre me diziam: ‘Isso vai virar um filme. Vou filmar até no seu banheiro’. Jesus! E, menino, foi incrível. Foram dois dias de filmagem, uma loucura. A casa toda virou um set de filmagem. Eles ainda tinham a casa da Angela [vizinha], que ela emprestou para ser um ponto de apoio, para abrigar os atores, atrizes, maquiagem e figurino”, conta a atriz, em comemoração à conclusão de um novo capítulo de sua vida.

A duração do projeto, segundo Pedro Estrada, embora suficiente para mostrar quem é a atriz, não dá conta de abarcar a grandiosidade de sua história. Ela própria se descreve como uma mulher com mais de 80 anos de idade e mais de meio século de carreira.

“Quando tivemos a ideia de fazer o filme, vi que a história era grande demais para ser contada só em um curta-metragem. Então, usamos a estratégia de desenvolver um longa-metragem, mas primeiro fizemos o Ressaca, que é um curta com linguagem própria, mas que também serve para abrir caminho para o longa”, afirma o diretor.

Teuda Bara já foi a estrela em peças como Álbum De Família, de Nelson Rodrigues, Romeu e Julieta, com direção de Gabriel Villela; em filmes como O Palhaço, de Selton Mello; e até na televisão, a exemplo de Filhos da Pátria, seriado do Globoplay. Mas o currículo é tão extenso que se recusa a caber numa linearidade.

“Se tivéssemos seguido essa linha de contar tudo sobre a vida da Teuda, ficaria faltando muitas coisas. Então, fizemos quase uma curadoria das histórias que ela conta. Queríamos preservar a voz dela, porque ela tem essa característica de contar as histórias muito bem”, relembra o autor.

“Isso foi algo que quisemos manter no papel, na tela e no palco. Acho que, quando conseguimos aproximar o personagem da pessoa real, é quando temos mais sucesso. E foi muito especial filmar no banheiro dela, na casa dela, no universo dela, com o Galpão, o grupo que ela fundou há 40 anos”, descreve João.

Filmar a intimidade de Teuda é uma oportunidade para que o público possa ir além do que está acostumado a ver no palco, como se fosse um filme de “bastidores”, revela Pedro Estrada.

“O que eu mais amo na Teuda é que, além de ela ter fundado o grupo Galpão e ser uma atriz icônica, ela é uma grande revolucionária nos afazeres mais simples do cotidiano. Conversamos muito sobre como ela sempre foi muito particular em sua rotina e como isso tornava suas experiências especiais, dignas de serem contadas em um filme, uma peça ou um livro”, pontua o diretor.

“Quantas histórias, músicas e artistas incríveis vão se perdendo por falta de registro? A história é o que fica”, reflete Teuda Bara sobre a importância de ter um filme que agora deixa marcada a sua trajetória para as próximas gerações.

Para Pedro, é crucial registrar essas experiências, principalmente enquanto as pessoas ainda estão vivas e podem participar.

“Não devemos esperar que alguém não esteja mais entre nós para expressar o quanto amamos, respeitamos e admiramos essa pessoa como uma referência em nossas vidas. Claro, é importante resgatar e honrar aqueles que já se foram, mas é muito mais gratificante fazer isso em vida, como estamos fazendo agora”, alegra-se.

Reflexões de um fazer que não pode ser mecanizado

Quando falam sobre futuro, inclusive, os três se mobilizam em torno de um mesmo assunto que agora preocupa – e em alguns casos até ajuda – artistas em todo mundo: a inteligência artificial (IA).

Teuda, embora tenha gravado uma cena com auxílio de IA para o filme, preocupa-se com a proporção que o mal uso dela pode proporcionar em longo prazo.

“Mas o teatro fica um pouco livre disso. O teatro, por exemplo, é uma labuta. Você pega um texto, desenvolve um personagem, tem várias coisas que interferem, há a música, a luz, a interpretação. O teatro é a gente. Você criar o personagem, contar uma história”, opina a atriz.

Mas a tecnologia também foi aliada de Teuda em momentos oportunos, como a pandemia de covid-19, que a obrigou a entrar num universo que não tinha tanta familiaridade. Nas palavras dela, virou uma “grande hacker cibernética”.

“Foi ótimo, sabe? Isso me manteve ativa. Durante a pandemia, fizemos várias peças online, trabalhos de poesia e música, e até produções de filmes, tudo de forma remota. Isso foi muito importante porque nos manteve conectados. No entanto, é preciso saber utilizar essas ferramentas da maneira certa. Eu, por exemplo, uso essas tecnologias para corrigir ortografia e melhorar o texto, mas sempre partindo da nossa autoria. É importante que a criação seja nossa, que a essência do autor permaneça”, alerta a atriz.

Quem é Teuda Bara?

Irreverente, Teuda Bara, nas palavras de sua amiga e atriz Inez Peixoto, largou uma vida que programaram para ela. Fugiu do que esperavam que ela fosse, transgrediu as expectativas. Em um primeiro momento, decidiu largar as ciências sociais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para se dedicar ao teatro. Depois disso, o mundo ficou pequeno para mulher que sempre teve no DNA a grandiosidade.

“É muito engraçado, porque minha mãe era dessas mulheres católicas, criada no romantismo da época. Ela vivia envolvida com procissões e festas religiosas. Meu pai era militar, todo disciplinado, e minha mãe queria que eu fosse irmã de caridade, passou a vida lutando por isso. Coroei quase todas as nossas senhoras de BH. Eu cresci frequentando várias igrejas em Belo Horizonte, e acho que já era algo do teatro, porque eu adorava aquilo. Ganhava doces, cartuchos de balas, e adorava tudo isso”, conta, com muito bom humor.

O pai queria que ela fosse advogada e a mãe sonhava com o casamento. Cresceu achando que deveria aprender a bordar, a cozinhar, “ser uma moça prendada”, mas nada disso funcionava para ela. “Eu não me encaixava nessa história”, diz.

Desde cedo, passou a viver com o horizonte voltado à liberdade, embora tivesse tudo controlado, do namorado às roupas que vestia.

“Quando uma amiga minha se casou, eu pensei: ‘nossa, que beleza, agora ela não tem mais pai para criar caso com ela’. Um dia, eu fui chamá-la para ver um filme e ela me disse: ‘não posso, agora sou uma mulher casada’. Eu pensei: ‘credo. Não quero isso para mim’”, conta, ao cair na gargalhada.

No auge da ditadura militar no Brasil, Teuda, em meio às opressões políticas, embora com medo, foi trabalhar na Livraria do Estudante, um ponto de encontro de pessoas ligadas à esquerda. Conheceu de Clarice Lispector a Ziraldo.

“Sempre tinha lançamento de livros, com muita caipirinha e conversas interessantes. Eu adorava”, relembra.

Nesse momento, ao conhecer outras pessoas e abrir para outros assuntos, foi apresentada, pelo seu irmão, Tibério, à literatura de Jorge Amado, com o livro “Jubiabá”. Esse foi o ponto de partida para o início de sua coleção e sua relação próxima com os livros.

“A importância dessa mudança foi enorme para mim, não só como leitura, mas também como mudança política”, pontua.

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