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Movimento Negro ressignificou o conteúdo e a forma dos direitos humanos no Brasil

by admin

Por Hédio Silva Jr.*

 

Lá se vão 13 anos desde que em abril de 2012, ao julgar a ADPF 186 reconhecendo a legitimidade e constitucionalidade das ações afirmativas (gênero do qual cotas raciais são espécie), o STF atestava a vitalidade e pujança da atuação do Movimento Negro na sociedade brasileira.

Num dos julgamentos mais emblemáticos da história da Corte Suprema, deliberou-se que num país marcado por séculos de discriminação racial generalizada, é imprescindível uma ação proativa do Estado capaz de assegurar a igualdade material, substancial, igualdade de oportunidade e de tratamento.

Disse o Supremo: “O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.”.

Referia-se a Corte a uma série de dispositivos consitucionais que textualmente preveem ações afirmativas tal qual a proteção específica do trabalho da mulher; a regra da capacidade contributiva segundo a qual paga mais quem ganha mais; a equidade no custeio da previdência; os benefícios assegurados às empresas de pequeno porte e às empresas de capital nacional, entre outros.

Não se ouve falar que empresas de pequeno porte ou de capital nacional sobrevivem de “esmola” do governo ou que não têm a mesma capacidade das empresas de grande porte ou das estrangeiras.

Nestas hipóteses, admite-se pacificamente que para assegurar igualdade material o Estado deve “tratar desigualmente os desiguais”.

Foi precisamente esta demanda que o Movimento Negro brasileiro inseriu na agenda pública a partir da “Marcha Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” realizada em Brasília, em 1995 e que seis anos depois resultou nas duas primeiras experiências de ações afirmativas pro-negro no acesso à educação superior: a adoção de cotas raciais nos vestibulares da UNEB e da UERJ em 2003.

Nos anos seguintes a experiência alastrou-se pelo país e terminou sendo questionada no STF justamente por meio aludida ADPF 186.

Somente depois que o STF declarou a constitucionalidade das ações afirmativas pro-negro, portanto, é que o Legislativo decidiu aprovar a Lei 12.711/12 disciplinando cotas raciais no ensino superior, atualizada pela Lei 14.723/23.

A agenda da igualdade racial, do empoderamento das mulheres negras, do enfrentamento ao racismo religioso e ao genocídio da juventude negra é uma pauta inscrita à duras penas na gramática dos direitos humanos graças à resiliência, desassombro e pertinácia da militância negra.

O que não significa ignorar que indivíduos brancos, instituições e governos contribuíram vigorosamente, em maior ou menor grau, para o sucesso dessa empreitada.

A celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos convida-nos a problematizar o deliberado e nefasto apagamento do protagonismo negro sem o qual direitos humanos permaneceriam sendo tratados como direitos de homens e mulheres brancas.

 

 

*Advogado, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP, fundador do Jusracial e do Idafro – @drhediosilva



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