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MPF compara data center do TikTok a termelétrica a diesel

by admin

RIO — Uma perícia técnica do Ministério Público Federal (MPF) lançou fortes questionamentos sobre o licenciamento ambiental do data center da ByteDance, controladora do TikTok, previsto para ser instalado na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), no Ceará. 

O empreendimento é desenvolvido pela Omnia, do Patria Investimentos, que na semana passada recebeu a aprovação do Cade para compra da fatia da Casa dos Ventos no projeto.

O laudo do MPF conclui que o Relatório Ambiental Simplificado (RAS), utilizado no licenciamento, é “tecnicamente inadequado e insuficiente” para avaliar impacto de um empreendimento de grande porte, com elevadíssima demanda energética e consumo hídrico, em uma região marcada pela escassez de água.

Segundo a perícia assinada pelo perito Valdir Carlos da Silva Filho, do MPF, o projeto — que recebeu licença prévia e licença de instalação da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) — deveria ter sido submetido ao rito completo de licenciamento, com Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e audiência pública. 

“Uma verdadeira termelétrica” a diesel

O projeto da ByteDance foi aprovado no mês passado pelo Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportações e prevê investimentos de R$ 108 bilhões até 2035, com início das operações em 2027, além de outros R$ 135 bilhões entre 2036 e 2046.

O empreendimento era um candidato aos benefícios da MP 1307/2025 que perdeu a validade em novembro. A medida provisória obrigava empresas interessadas em se instalarem em ZPEs a utilizar exclusivamente energia elétrica nova proveniente de fontes renováveis.

Também pode ser beneficiado pela MP 1318/2025, do Redata, que garante isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI, para infraestrutura digital, desde que as companhias cumpram critérios ambientais, como o uso de “energia limpa ou renovável”. 

Contudo, fontes renováveis são intermitentes, enquanto data centers precisam de energia para funcionar 24/7. E o projeto da ByteDance demonstra esse desafio.

Embora os responsáveis pelo data center afirmem que o abastecimento será 100% renovável, a perícia contesta essa narrativa. 

O laudo destaca a previsão de 120 geradores a diesel, distribuídos em 20 Data Halls, com capacidade teórica de suprir até 200 MW.

“Isso é uma verdadeira termelétrica”, afirma o documento. 

O MPF destaca que, dependendo da frequência de acionamento dos geradores, as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado podem se somar às já existentes no complexo industrial, afetando a qualidade do ar das comunidades próximas.

Água é um dos ponto mais sensíveis 

O laudo do MPF é enfático ao apontar falhas graves em relação à clareza sobre o uso de recursos hídricos no projeto.

Na fase de licenciamento prévio, o projeto não indicou de forma explícita a fonte de abastecimento de água, nem apresentou estudo de viabilidade hídrica ou outorga de uso, segundo a perícia.  

Trata-se de uma grave deficiência do estudo ambiental”, afirma o documento.

O laudo destaca que a omissão ganha peso adicional por se tratar de um empreendimento localizado no semiárido nordestino. 

De acordo com a perícia, o consumo real estimado para a fase de operação chega a 88,24 m³ por dia — quase três vezes superior aos cerca de 30 m³/dia informados no RAS.

Essa discrepância, segundo o MPF, significa que a licença prévia foi emitida com base em dados que não correspondem ao projeto efetivamente licenciado.

Outro ponto crítico é o risco de que parte significativa da água captada se perca por evaporação no sistema de resfriamento, sem retorno ao balanço hídrico da bacia do rio Cauípe. 

Para a perícia, classificar esse impacto como “moderado” e tratá-lo apenas como “alteração na qualidade da água”, e não como redução da disponibilidade hídrica, é “tecnicamente inadmissível” diante do contexto regional e da proximidade com comunidades que dependem de mananciais subterrâneos.

O povo indígena Anacé, tradicionalmente habitante da região, foi um dos responsáveis pelas denúncias que levaram à investigação do MPF.

Em agosto, o povo Anacé chegou a ocupar a sede da Semace, em protesto, denunciando a ausência de consulta sobre a instalação do data center do TikTok.

“Mais uma vez, tentam decidir sobre nossa terra sem nos ouvir. O laudo mostra que o licenciamento é falho, mas o erro começa antes: ninguém perguntou ao nosso povo se esse projeto poderia existir aqui”, critica o cacique Roberto Itaiçaba, liderança do povo Anacé da Japuara.

Licenciamento fracionado 

A perícia do MPF também questiona o fracionamento indevido do licenciamento.

Segundo o documento, estruturas indissociáveis — como subestação elétrica, linha de transmissão de 230 kV, estação de tratamento de efluentes, geração termelétrica a diesel e armazenamento de combustível — foram tratadas de forma segmentada, o que reduz a compreensão dos impactos cumulativos e sinérgicos do conjunto.

Também aponta que, apesar de o CIPP já ser ambientalmente licenciado para comportar diversos empreendimentos, ele “não pode recepcionar novas instalações” sem considerar situações particulares com grande impacto hídrico.

Resposta das empresas

Procurados pela eixos, o governo do Ceará, a Semace e o CIPP não responderam ao pedido de comentários sobre o parecer do MPF até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto.

Em nota conjunta, Omnia, Casa dos Ventos e ByteDance afirmam que o licenciamento “vem sendo conduzido em estrita conformidade com a legislação vigente” e que o empreendimento tem “baixíssimo impacto hídrico”, equivalente ao de um empreendimento residencial

As empresas também argumentam que o CIPP já foi submetido a EIA-Rima quando de sua criação, o que afastaria alegações de irregularidade.

Confira a íntegra da nota enviada à agência eixos:

Posicionamento conjunto Omnia, Casa dos Ventos e ByteDance 

O licenciamento ambiental do data center vem sendo conduzido em estrita conformidade com a legislação vigente, com as determinações da SEMACE e com as melhores práticas aplicáveis. O empreendimento já possui licença de Instalação, e as empresas envolvidas cumprem integralmente todos os requisitos legais exigidos para a implementação do projeto.

O Ministério Público Federal recebeu informações sobre o empreendimento tanto em reunião realizada com as empresas, a SEMACE e representantes do Estado do Ceará, quanto por meio de documentos formalmente apresentados. O MPF deu ciência do laudo a uma das empresas apenas nesta data e, diante do exíguo tempo decorrido – poucas horas –, as companhias ainda não dispuseram de tempo hábil para a devida análise técnica do documento.

De todo modo, conforme reiteradamente esclarecido pelas empresas, o empreendimento apresenta baixíssimo impacto hídrico, equivalente a um empreendimento de característica residencial. Além disso, está localizado em área industrial do CIPP, previamente submetida a EIA-RIMA quando de sua criação, o que afasta qualquer alegação de irregularidade ambiental ou de omissão no processo de licenciamento.



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