O acesso a recursos financeiros para a produção agrícola como forma de alavancar o projeto de Reforma Agrária Popular esteve em pauta na tarde desta segunda-feira (8) no Rio de Janeiro (RJ). O Seminário “A construção de Institutos de Ciência e Tecnologia para a Reforma Agrária Popular” conta com a participação de integrantes do setor de produção e de projetos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de diversos estados, além de representantes de pesquisadores ligados a universidades públicas.
O encontro segue até o dia 10 de dezembro e é organizado pela Associação Lima Barreto Educação e Comunicação com patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O coordenador Nacional de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, Daniel Mancio, abriu os trabalhos explicando que esta é um debate antigo do setor de produção e o encontro servirá para aprofundar as discussões e conhecer melhor as possibilidades de acesso a financiamento.
Ele lembrou ainda que o MST discutiu em maio deste ano sua concepção de inovação tecnológica na agricultura familiar e quais características desse modelo de produção devem estar presentes em uma política nacional de ciência, tecnologia e inovação. “A diversidade está como elemento central”, disse.
Na sequência, o representante do BNDES na mesa, Joaquim Vasconcelos, falou da importância da agricultura para a economia brasileira, responsável por quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB), grande parte por conta das commodities — produção de soja e milho. No entanto, ele observou que a produção de alimentos que compõem a cesta básica está ganhando protagonismo na liberação de crédito, ainda que o alcance para a agricultura familiar seja pequeno. “Nós temos linhas específicas para agroecologia, sustentabilidade, produção orgânica e temos as taxas de juros muito atrativas, de 0,5% a 8% ao ano, mas nem todo mundo consegue chegar. O desafio é que todo mundo consiga chegar”, disse.
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Entre os fatores apontados para a dificuldade de acesso ao crédito por parte está a baixa produção. Uma situação em boa parte provocada pela baixa mecanização dessa forma de produção. De acordo com dados do banco, 50% dos empreendimentos de agricultura familiar estão no nordeste e menos de 3% têm acesso a máquinas. Uma estratégia adotada pelo banco para aumentar a mecanização do campo foi o lançamento do programa Nova Indústria do Brasil, que tem, entre outras metas, a produção de máquinas destinadas à agricultura familiar e aumentar em 70% a mecanização nesse setor.
E não é apenas o BNDES que está preocupado com a inovação nessa área. Em vídeo enviado aos organizadores da mesa, a Diretora de Inovação para a Produção Familiar e Transição Agroecológica da Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Vivian Libório, informou que até o final do ano o investimento em inovação na área foi de R$ 70,35 milhões, especialmente por meio do programa Cooperar Mais Brasil, destinado à capacitação de agricultores familiares na elaboração de projetos. “Então, tem toda uma agenda que é editada nessa construção e ter a participação desses órgãos, desse coletivo colegiado é muito importante. E a gente precisa avançar ainda mais”, garantiu.
Dificuldade no acesso ao maquinário e escoamento da produção
Nildo Martins, integrante do setor de projetos do MST Pernambuco, contou que alcançar a produtividade das grandes indústrias é um grande entrave para a obtenção de crédito dentro das linhas de financiamento do BNDES. Um dos usos seria para a compra de maquinário com o objetivo de aumentar o custo agregado dos produtos e sua durabilidade, com a produção de polpa e polpas e geleias, sem que a produção se perca no transporte ou na falta de consumo.
A falta de crédito para facilitar o escoamento da produção também é um problema, uma vez que os pequenos produtores dependem de atravessadores para fazer com que seus produtos cheguem aos locais de comercialização. “Quem é que vem para um comércio para fazer uma coleta de, digamos assim, duas toneladas de determinada fruta? Então ele viria se fossem vários caminhões”, ilustra Martins.
No entanto, a produtividade menor também se deve à opção pela diversificação dos produtos e uma oposição à monocultura. Ele acrescenta que o plantio único tem crescido entre os agricultores familiares para alcançarem financiamento e melhores preços. “Termina, de certa forma, reproduzindo a ação do agronegócio em função de um escoamento da produção, porque não tem recurso necessário para essas atividades”, lamenta.
Convidado da mesa seguinte, o superintendente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Rodrigo Secioso, disse que a nova lei que regulamenta o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) permite que essa realidade se modifique.
Sem analisar casos individuais, ele explicou que projetos que levem ao aumento do valor agregado da produção podem ser considerados inovações incrementais ou difusão tecnológica, quando o maquinário para alavancar a produção se torna acessível aos produtores.
“A gente pode financiar tanto o desenvolvimento do zero de uma solução como uma nova aplicação, um aprimoramento específico que possa tornar uma solução mais sustentável, um processo de produção superior ao anterior. Então, não precisa ser necessariamente mandar o homem para a lua, mas pode ser uma coisa que vai trazer, no fim, um ganho social importante”, disse.
Reforma Agrária Popular
Débora Nunes, coordenadora nacional do setor de produção do MST, trouxe a discussão sobre o modelo de ciência e desenvolvimento que pode contribuir para o projeto de Reforma Agrária Popular. “Nós não vamos conseguir avançar na produção de alimentos saudáveis, no fortalecimento da construção da Reforma Agrária Popular, se o sistema ambiental não estiver na centralidade. É condição”, disse.
Nunes acrescentou que o projeto não se limita ao acesso à terra, mas condições de produção de alimentos saudáveis em um modelo que respeite, preserve e renove o meio ambiente. “E aí, nesse sentido, é que a gente precisa compreender que a ciência, a tecnologia e a inovação, elas são pilares fundamentais para nós avançarmos na construção da reforma agrária popular no Brasil”, acrescentou.
Ao comentar os baixos índices de mecanização da agricultura familiar, ela traçou ainda paralelos sobre as condições dadas para uma fábrica se instalar em determinado município, com a promessa de movimentar a economia com a geração de empregos, com as condições dadas à agricultura familiar. “Há garantias desde o incentivo fiscal, energia de qualidade boa, estrada onde nunca havia um asfalto. E o poder público garante isso. Então, olhar para a agricultura familiar e também olhar para esses desafios que estão colocados. O financiamento e o apoio institucional”, disse.
Próximas atividades
A programação do Seminário segue até quarta-feira (10). Na manhã desta terça-feira (9), o tema será “Papel das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT’s) para o desenvolvimento dos projetos estratégicos de Ciência e Tecnologia na Reforma Agrária Popular” e a parte da tarde será dedicada aos grupos de trabalho para a discussão pautada pela construção de uma proposta estratégica. Já a manhã de quarta-feira será dedicada à construção de um documento síntese das discussões.
