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‘Não em Nosso Nome!’ reúne textos de combate em defesa da educação pública em Porto Alegre

by admin

Com 60 textos e 64 autoras e autores, o livro Não em Nosso Nome! – Textos de Combate na Defesa da Educação Pública foi lançado nesta sexta-feira (12), no auditório da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre. A publicação é organizada por Marco Mello, César Rolim e Liliane Giordani e reúne textos de educadores, pesquisadores, ativistas e militantes que fazem a defesa da escola pública, democrática e inclusiva frente às políticas educacionais em curso na capital gaúcha.

O evento contou com apresentação artística da Orquestra Sons do Morro e dos Tambores de Freire, ambos os grupos coordenados por docentes da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre (RME/POA), além da participação professoras(es), pesquisadoras (es), operadoras(es) de direito, entidades sindicais, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

A produção do livro teve apoio dos sindicatos Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-Ufrgs), Sindicato dos Técnico-Administrativos em Educação da Ufrgs (Assufrgs), Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), da e Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), Grupo Rodaviva e Grupo Nhamandu da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). O projeto gráfico, arte e diagramação é do educador e jornalista André Dornelles Pares.

Orquestra Sons do Morro – Crédito: Jorge Leão

Um dos organizadores da obra, o professor de História da rede municipal de Porto Alegre, Marco Mello, explicou que o título do livro expressa uma posição política coletiva diante das mudanças promovidas pela atual gestão municipal. “Vivemos um processo de tentativa de desmonte da escola pública pelo governo Sebastião Melo e pelo secretário de Educação Leonardo Pascoal, que tentam implementar em Porto Alegre o que chamamos de pedagogia do capital”, afirmou.

Segundo Mello, entre as medidas criticadas estão a privatização de escolas, ataques aos servidores, censura pedagógica, padronização curricular e a adoção de provas estandardizadas para ranqueamento da educação. Ele também destacou o fim da unidade das escolas de ensino fundamental, com a separação entre anos iniciais e finais, o que atinge especialmente comunidades periféricas. “Esse livro reúne elaborações que enfrentam essas políticas e afirmam: não em nosso nome. Temos outro projeto de escola e de sociedade”, disse.

Para o professor, o projeto defendido pelos autores está ancorado em uma educação “inclusiva, democrática, cidadã, laica e baseada em uma pedagogia libertadora”. Ele destacou ainda que o objetivo da publicação é sistematizar as reflexões do campo educacional e fortalecer as lutas da classe trabalhadora. “Não se faz luta sozinho. Ela se faz de forma organizada, nos movimentos e entidades que nos representam”, ressaltou.

O livro terá parte da tiragem destinada a escolas e bibliotecas públicas. Também está sendo comercializado a preço de custo e, a partir de janeiro, será disponibilizado gratuitamente em versão digital (PDF).

Aldeia de resistência

Também organizadora da obra, a professora da Faced, Liliane Giordani definiu o livro como “uma aldeia de resistência” em defesa da educação pública em Porto Alegre. “É um território de resistência diante de um direito que está sendo negado, silenciado e destruído. Esses textos defendem a escola pública como o espaço mais plural da cidade”, afirmou. Para ela, o livro deve se tornar um instrumento direto da luta e chegar principalmente às escolas.

Giordani avaliou que, atualmente, a educação municipal vem sendo “gerenciada como uma empresa privatizada”, perdendo seu papel como espaço de cultura e produção de conhecimento. “Nós já vivemos o tempo da escola cidadã e democrática. Sabemos o quanto é importante resgatar outras formas de reconhecer a aprendizagem”, disse. Segundo ela, a resistência passa tanto pela ação política quanto pelo fortalecimento cotidiano dos profissionais da educação. “É dizer aos colegas que seguem na rede que eles não estão sozinhos.”

Representando o Andes-Sindicato Nacional, a presidenta da seção sindical, Maria Ceci Misoczky, destacou a trajetória comum de luta entre docentes universitários e da educação básica. “Seria completamente absurdo não estar aqui. O Andes é um sindicato classista, que defende não apenas sua categoria, mas a classe trabalhadora e a educação pública”, afirmou. Ela elogiou a diversidade de contribuições presentes no livro e reforçou que a defesa da educação pública é uma luta permanente. “A gente se encontra na luta, nas ruas, porque essa defesa é incansável.”

César Rolim, Liliane Giordani, Marco Mello e André Dornelles Pares – Crédito: Arquivo pessoal

Fragilidade do sistema

Para a dirigente da Atempa Rosele Bruno de Souza, a rede municipal vive um processo que não é apenas de desmonte, mas de “destruição”. Segundo ela, políticas que antes faziam da rede uma referência nacional em inclusão e projetos pedagógicos estão sendo abandonadas. “Professores estão sendo retirados das escolas, passando o final do ano na incerteza. Esse livro mostra a potência da educação pública e, por isso, é fundamental”, afirmou.

Representando a Assufrgs, Maristela Piedade ressaltou que os ataques à educação ocorrem em todas as esferas municipal, estadual e federal. “É um ataque ao futuro das crianças e dos jovens do Brasil”, disse.

Complementando a fala, o também dirigente da entidade Ítalo Guerreiro pontuou que o debate sobre o futuro da educação pública é central diante de propostas como a reforma administrativa e projetos que fragilizam o serviço público. “É uma honra apoiar um projeto que reúne tantos trabalhadores comprometidos com outro projeto de país”, afirmou.

Para a diretora de formação sindical do Simpa, Silvana Conti, a lógica neoliberal transforma tudo em mercadoria, inclusive a educação e a vida. “Mas, além da resistência, esse livro mostra a enorme potência da nossa rede municipal e de quem está no chão da escola”, destacou. Ela relembrou a construção da gestão democrática na rede municipal desde os anos 1980 e criticou o esvaziamento da participação das comunidades escolares. “A nossa luta segue em todos os espaços.”

A diretora-geral do Simpa, Estela Benevenuto, afirmou que a educação em Porto Alegre vive uma situação “extremamente cruel”. “Ela não está sendo desmontada, está sendo estraçalhada”, disse. Para ela, projetos como o livro fortalecem a resistência ao levar outras formas de conhecimento e de organização da luta. “Nos encontramos na rua, na luta.”

Tambores de Freire – Crédito: Fabiana Reinholz

Representando o movimento Mães e Pais pela Democracia, Juliano Sá lembrou que a associação nasceu como resposta ao avanço de projetos autoritários na educação. Ele destacou o apoio ao livro e denunciou medidas recentes da gestão municipal, como a privatização da educação infantil. “Existe um projeto de desmonte da educação pública em Porto Alegre, e a sociedade civil organizada precisa resistir”, afirmou.

A presidenta do Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber, também autora de um dos textos da coletânea, criticou a gestão antidemocrática do Conselho Municipal de Educação e denunciou a privatização de escolas públicas por meio de parcerias público-privadas. “Isso significa o assalto ao Fundeb e o fim da escola pública se nada for feito”, alertou. Para ela, o livro representa um espaço de produção de esperança ativa. “Como dizia Paulo Freire, não é esperar, é agir. Essa é a concretude da nossa luta.”

Ao final do evento alguns autores realizaram uma sessão de autógrafos – Crédito: Fabiana Reinholz

Combate à mercantilização da educação pública

O livro Não em Nosso Nome! – Textos de Combate é uma coletânea de textos que denunciam e enfrentam o projeto neoliberal de mercantilização e desarticulação das redes públicas e estatais de educação. A obra está organizada em oito sessões: Política educacional: gestão, financiamento e controle social; Política curricular e avaliação; Liberdade de ensino; O direito à diferença; Educação de Jovens e Adultos; 60 anos do Golpe de 1964 e 40 anos da Campanha Diretas Já!; O direito à cidade e a ancestralidade insurgente e, por fim, Notas em Manifesto.

Segundo o professor de história da rede municipal César Rolim, esse processo de desmonte tem se intensificado no Rio Grande do Sul desde 2015, com o início do governo José Ivo Sartori na rede estadual de ensino, e foi aprofundado ao longo dos anos.

Para Rolim, denunciar, combater e dar visibilidade ao que está ocorrendo com a educação pública é fundamental. “É preciso que a sociedade saiba o que está acontecendo”, ressaltou.

Não passarão: panorama da educação básica pública

De acordo com o professor, a Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre vem sendo sistematicamente desarticulada por ações permanentes dos gestores. Apenas neste ano, ele aponta uma série de ataques às eleições para direções de escola, à falta de recursos humanos, à presença cada vez mais intensa de parcerias público-privadas, ao fechamento de oficinas e projetos desenvolvidos por educadoras e educadores, além de tentativas de censura ao trabalho pedagógico.

Como consequência, Rolim alerta para a disseminação do individualismo, característica central do neoliberalismo, inclusive entre trabalhadoras e trabalhadores da educação. “Aos poucos, vai-se perdendo o sentido coletivo de pertencimento a um coletivo, ou a uma classe social, e também à própria rede”, observa.

Para o autor, o livro tem o papel de instigar o debate público sobre a situação da educação pública tanto na cidade quanto no estado. Ele destaca que a apropriação desse debate no cotidiano das pessoas e a politização da sociedade são fundamentais para fortalecer o enfrentamento por meio das entidades representativas e das mobilizações organizadas por educadoras e educadores.

Rolim lembra que o próximo ano será marcado por eleições, quando estarão em disputa grandes temas estaduais e nacionais. “É fundamental cobrarmos das nossas e dos nossos representantes uma ação permanente contra essas políticas de privatização, parceirização e concessão dos serviços públicos”, afirma.

Segundo ele, a lógica neoliberal transforma tudo em mercadoria e faz do serviço público um grande balcão de negócios. “O livro é um instrumento de combate em defesa da educação pública e dos serviços públicos estatais. Seguiremos na luta”, conclui.

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