Home » No Brasil, a desigualdade da violência entre cidades é maior que a que separa o país da Europa

No Brasil, a desigualdade da violência entre cidades é maior que a que separa o país da Europa

by admin
No Brasil, a desigualdade da violência entre cidades é maior que a que separa o país da Europa

Enquanto os 20 municípios mais violentos registram, em média, 65,4 homicídios por 100 mil habitantes quase três vezes a média nacional), nas cidades mais pacíficas essa taxa despenca para 3,8. A diferença entre os extremos é de 17 vezes, maior até do que a que separa o Brasil da Europa.

Esse é um dos dados mostrados pelo o “Atlas da Violência 2025 – Retrato dos municípios brasileiros e dinâmica regional do crime organizado”, elaborado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgada nesta sexta-feira.

  • Derrite descarta incluir equiparação de facções a grupos terroristas no PL Antifacção: Intenção dos parlamentares é analisar a proposta já na semana que vem
  • Como foi a audiência de Alexandre de Moraes com movimentos sociais sobre a ADPF das Favelas

O texto mostra que o Brasil passa por um processo de desconcentração da violência letal, com a interiorização do crime e o avanço das facções para cidades médias e pequenas. A dispersão dos homicídios ocorre por dois motivos principais. De um lado, as cidades mais violentas há uma década conseguiram reduzir a letalidade. De outro, a interiorização do crime fez crescer os casos de violência letal em municípios menores.

Segundo o documento, capitais como Fortaleza, São Luís, Goiânia, Cuiabá e o Distrito Federal registraram reduções superiores a 60% nas taxas de homicídios entre 2013 e 2023. Ao mesmo tempo, cidades médias e do interior, especialmente nas regiões Norte e Nordeste têm aumento da criminalidade e das disputas entre facções.

Apesar da expansão territorial, o relatório aponta continuidade na queda dos homicídios no país, uma tendência observada desde 2018. Em alguns estados, o movimento começou muito antes. São Paulo é o caso mais emblemático: as mortes violentas vêm diminuindo de forma contínua há mais de duas décadas.

Ainda segundo o texto, as facções criminosas estão presentes em todas as Unidades Federativas, mas com diferentes níveis de intensidade. Em alguns estados, a atuação de vários grupos alimenta disputas territoriais violentas, como na Bahia, onde o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) se aliam a facções locais.

Em Pernambuco, ao menos 12 facções disputam o controle de territórios, o que impulsiona as elevadas taxas de homicídios. Já no Amazonas e no Amapá, as guerras entre CV, PCC e grupos regionais, como a Família Terror do Amapá e o Cartel do Norte, têm provocado escaladas de violência em cidades médias e portuárias estratégicas.

Segundo o estudo, em outras regiões, as disputas ocorrem com menor intensidade e uma convivência relativamente estável entre facções. Em São Paulo, uma pacificação imposta pelo domínio do PCC sobre os mercados ilegais. Minas Gerais também abriga facções fragmentadas, mas com poucos conflitos abertos. Em Santa Catarina, o Primeiro Grupo Catarinense (PGC) atua em um cenário de violência mais pontual e controlada.

O Atlas destaca ainda a diversidade de estratégias entre os grupos criminosos. Facções mais estruturadas e voltadas ao lucro tendem a evitar o uso ostensivo da violência. Já organizações menores e desorganizadas recorrem com mais frequência a confrontos armados para afirmar poder e manter o controle territorial.

O relatório também alerta para a infiltração do crime organizado na economia formal e na gestão pública, o que é uma ameaça direta ao Estado Democrático de Direito. A presença de facções em atividades produtivas, contratos públicos e até na política demonstra, segundo o documento, a expansão econômica e institucional dessas organizações, considerada uma das faces mais perigosas do crime contemporâneo.

Na contramão desse avanço, o Atlas identifica o fortalecimento de políticas públicas qualificadas de segurança, um fenômeno que os autores chamam de “revolução invisível na segurança pública”. Desde a década de 2010, mais estados e municípios têm adotado ações preventivas, qualificação policial e uso de inteligência integrada — um modelo de gestão orientado por resultados e focado na redução sustentável da violência.

Sobre o Rio, os autores salientam que desde a década de 80, o Rio de Janeiro sofre com a ação do crime organizado (tráfico e milícia) e com a brutalidade policial. Em 2019, o estado atingiu o pico das mortes por intervenções policiais, com 1.814 vítimas. O trabalho também cita a ADPF 635, conhecida como ADPF das favelas, em que ministro Edson Fachin, do STF, deferiu “uma decisão histórica exigindo algumas medidas cautelares do poder público, de modo a minimizar o uso excessivo da força policial e mitigar o estado de coisa institucional no RJ”.

O estudo destaca que “a despeito das falsas críticas, que a medida teria imobilizado as polícias, o que se viu, até 2023 foi a redução avassaladora de quase todos os eventos criminais”. Cita queda da letalidade policial (-28,6%), da morte de policiais em serviço (-50,0%); e roubos de vários tipos (em torno de -60%); entre outros. Destaca também “o fato lamentável” que 41,6% da população carioca vive sob um verdadeiro estado de exceção, ao residirem em áreas dominadas pelo crime organizado.

“O resultado dessa combinação de fatores é que quase metade dos 29 municípios fluminenses com mais de cem mil habitantes possuem taxas de homicídio estimadas acima de 30,0, onde os maiores índices se encontram em municípios da Baixada Fluminense e no Sul do estado: Angra dos Reis (47,9); Queimados (45,6) e Barra Mansa (41,1).

Considerando o conjunto de todos os municípios fluminenses, duas cidades menores estiveram no topo dos mais violentos em 2023. São elas: São Francisco de Itabapoana (82,8), cidade do norte do estado, com 47 mil habitantes, fronteira com o sul do ES; e Porto Real (67,3), com 21 mil habitantes, no sul do estado. O destaque positivo no estado é o município de Niterói, com uma taxa de homicídios de 14,3 por 100 mil habitantes. Desde 2018, Niterói implementou o Pacto Niterói Contra a Violência, um plano municipal de segurança que articula e financia projetos nas áreas de prevenção, convivência, engajamento comunitário e justiça. Juntamente com Petrópolis (12,5) e Nova Friburgo, são os únicos municípios fluminenses com mais de 100 mil habitantes que registram taxas inferiores a 15 por 100 mil habitantes”.

Créditos

You may also like