Home » No Maranhão, indígenas ainda sonham com escolas prometidas há 13 anos – Atual7

No Maranhão, indígenas ainda sonham com escolas prometidas há 13 anos – Atual7

by admin

“A minha escola dos sonhos é uma escola de tijolo com cerâmica.” Em meio a uma forte chuva no fim de outubro de 2025, Thayane Timbira, 9 anos, aluna do 3º ano do Ensino Fundamental, contou ao Atual7 quais são suas expectativas para a própria escola. Hoje, a realidade é outra. Sem paredes, com teto de palha e estrutura de madeira, a escola da Aldeia Esperança, localizada na Terra Indígena Geralda/Toco Preto, em Itaipava do Grajaú, no Maranhão, funciona de forma totalmente improvisada. Não há cozinha, refeitório ou sala de professores, e o banheiro, construído em palha, fica a poucos metros da sala de aula, oferecendo pouca privacidade às crianças.

Kemilly Timbira, 7 anos, em frente à estrutura de palha utilizada como banheiro da escola localizada na Terra Indígena Geralda/Toco Preto, em Itaipava do Grajaú-MA. Gabriel Bruno

Um mês após a visita da reportagem, a escola da Aldeia Esperança apareceu pela primeira vez na lista de obras da Sinfra (Secretaria de Infraestrutura do Maranhão). Consta como “em planejamento”, com investimento previsto de R$312.104. É uma das 18 obras que o Estado do Maranhão consegue listar, em resposta a pedido feito via LAI (Lei de Acesso à Informação). O número contrasta com as 70 escolas prometidas pelo estado em processo decorrente de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado há 13 anos.

Esse padrão de abandono persiste a despeito de um acordo assinado em março de 2012 entre a Seduc (Secretaria de Estado da Educação) e o MPF (Ministério Público Federal). O objetivo do documento era garantir infraestrutura adequada, materiais didáticos, carreira específica do magistério indígena e condições mínimas de funcionamento para as escolas indígenas do Maranhão.

Como não foi cumprido nos prazos estipulados, sua execução foi judicializada em 2013, no processo nº 0035707-65.2013.4.01.3700, que trata especificamente das condições físicas das unidades escolares. Um segundo processo foi aberto em 2016 para tratar de material escolar, merenda, projetos pedagógicos e magistério indígena.

A precariedade não é exclusividade da aldeia de Thayane. Ao percorrer outros três territórios indígenas, a reportagem encontrou um cenário que vai de salas de aula feitas de barro no território Urucu-Juruá a uma escola-modelo com teto cedendo entre o povo Canela, além de unidades de ensino que não garantem educação diferenciada na região dos Gamella.

O tamanho do problema

De acordo com dados do Censo Escolar 2024, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), autarquia vinculada ao MEC (Ministério da Educação), o Maranhão possui 344 escolas públicas classificadas oficialmente como escolas indígenas. Desse total, 254 funcionam em modelo bilíngue, com ensino em língua indígena e em português. No que diz respeito às matrículas, 19.405 estudantes estão registrados na modalidade de Educação Escolar Indígena — isso representa 1,21% do total de alunos matriculados na educação básica pública do estado.

Mas há um dado que escapa das estatísticas oficiais: 24.059 estudantes da rede pública maranhense se autodeclaram indígenas. Há uma diferença de 4.654 crianças e adolescentes, ou 19,3% do total que estuda em escolas regulares, sem acesso à educação diferenciada garantida pela Constituição. São jovens invisíveis para a política de educação escolar indígena.

Para Emilene Sousa, doutora em Antropologia Social pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisadora de educação escolar indígena, a ausência de escolas adequadas e de ensino bilíngue não representa apenas um problema administrativo. “Os saberes tradicionais e as pedagogias nativas não são levados em conta nos processos de educação escolar, mesmo nos bilíngues”, afirma.

“A reprodução do nosso modelo de escola aos indígenas tem custado o desinteresse dos jovens indígenas pela sua própria cultura”.

Emilene Sousa | doutora em Antropologia Social

Em junho, o Atual7 denunciou a situação da escola da Aldeia Esperança, onde crianças do povo Krepym Katejê estudavam em estrutura de palha, piso de terra e sem professores. Quatro meses depois, a reportagem voltou à comunidade e ampliou a investigação para outras três Terras Indígenas — Urucu-Juruá, Canela/Memortumré e Taquaritiua. Os documentos oficiais obtidos revelam: o problema é conhecido há anos pelos órgãos públicos. Apesar das particularidades de cada povo, o padrão se repete: escolas improvisadas, falta de professores, merenda irregular e estruturas precárias. O TAC firmado em 2012 nunca saiu do papel.

Aldeia Esperança: a escola de palha

O caminho que leva até a Aldeia Esperança é como um paraíso perdido no Centro-Oeste do Maranhão, rodeado de montes e por uma vegetação de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. É nesse cenário que vive o povo Krepym Katejê, pertencente ao tronco Timbira. Junto com a chegada da equipe de reportagem, chegou também a chuva — para muitos uma bênção, mas para os alunos da comunidade, um grande problema. A escola, erguida pelos próprios moradores, é improvisada e não suporta a chegada do temporal. As goteiras se tornam presença constante durante a aula.

Crianças indígenas sentadas em carteiras dentro de uma sala de aula improvisada, coberta por teto de palha e com piso de terra. A estrutura é aberta nas laterais. Do lado de fora, é possível ver o chão alagado pela chuva e a vegetação ao redor da aldeia.
Alunos assistem aula em sala de palha na Aldeia Esperança, enquanto a chuva alaga o entorno da escola. Gabriel Bruno

“Ela, quando chove, molha. Nós tem que ir para casa com a bolsa na cabeça, porque molha muito. E também, quando o sol entra, nós tem que ficar bem pro lado de cá porque aqui não entra sol. A merenda não é de boa qualidade, só tem suco de pacote.”

Thayane Timbira, 9 anos

Retrato de uma menina indígena com cerca de nove anos, cabelos longos e soltos, olhando para a câmera. Ao fundo, vê-se o interior de uma sala de aula improvisada, com estrutura de madeira e palha, mesas simples e o ambiente aberto para a área externa da aldeia.
Thayane Timbira, 9 anos, aluna do 3º ano do ensino fundamental, dentro da escola de palha da Aldeia Esperança. Gabriel Bruno

Por volta de 10h, os oito alunos da manhã saem para lanchar. Como a escola não tem refeitório, eles sobem um pequeno morro até a casa de dona Raimunda Timbira, 62 anos, onde uma cozinheira contratada pela prefeitura de Itaipava do Grajaú prepara a comida. Naquele dia, 21 de outubro, o lanche foi suco industrializado e biscoito água e sal.

Os oito alunos do município são vinculados a uma escola-mãe: a Escola Municipal Santa Rita. No entanto, o desejo da comunidade é que a unidade da Aldeia Esperança tenha um código Inep próprio. O código Inep é o identificador oficial atribuído a cada escola do país e permite ao governo federal consolidar dados sobre matrículas, infraestrutura, corpo docente e desempenho.

Segundo os microdados do Censo Escolar, a Escola Municipal Santa Rita é categorizada como escola indígena. Na prática, porém, as crianças da Aldeia Esperança não têm acesso a uma grade curricular diferenciada nem a professores que ministram as disciplinas de arte e cultura ou língua materna — direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Os alunos da rede estadual estudam nos turnos vespertino e noturno no mesmo espaço físico da Escola Municipal Santa Rita. É ali que funciona a Unidade Integrada de Educação Escolar Indígena Esperança a Crajre Jy Kra. Até pouco tempo, a escola operava como anexo da Unidade Integrada de Educação Escolar Indígena José Porfírio de Carvalho, mas passou a ter código Inep próprio, o que lhe garante reconhecimento formal no sistema educacional.

Os alunos do turno vespertino não tem cozinheira contratada pelo Estado. As mães e tias se revezam para preparar o lanche das crianças. Rayane Ribeiro Timbira, 34 anos, é uma das voluntárias. Ela explica que precisa fazer caeira no mato, já que pela Seduc nunca chegou gás de cozinha e nem materiais permanentes como fogão e geladeira. Caeira se refere a um buraco no chão, usado para produção artesanal de carvão vegetal, comum no Nordeste e em áreas rurais.

Mulher e homem agachados em área de mata, recolhendo coco babaçu do chão e colocando em um saco. Eles estão cercados por árvores e vegetação seca, realizando trabalho manual para produção de carvão usado em forno a lenha para preparar a alimentação escolar.
Rayane Ribeiro Timbira e Adão Timbira recolhem coco babaçu na Aldeia Esperança para produzir carvão artesanal, utilizado no forno a lenha que garante o preparo do lanche das crianças da escola estadual. Gabriel Bruno

“Aqui chega [a alimentação escolar] como cesta básica, como se tivessem, doando para nós. Não vem fruta, se nós quiser fazer suco para os nossos sobrinhos, nós tem que pegar do pé, caju ou manga”, conta Rayane.

Walbiana Araújo, 33 anos, professora dos cinco alunos da rede estadual, diz que o que a mantém no trabalho é o amor pelas crianças. “Aqui quando é a tarde que venta muito, não tem quem fica por causa da poeira e voa tarefa para todo lado. Quando chove é desse jeito [se referindo à chuva recente]”, desabafa.

À noite, a Unidade Integrada de Educação Escolar Indígena Esperança a Crajre Jy Kra atende 16 alunos da EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Em uma das duas noites em que a reportagem esteve na comunidade, a aula precisou ser cancelada por causa de besouros que se alojaram na lousa, impedindo que a professora pudesse dar a lição.

“Olha o jeito que o governo deixa o pessoal viver, né? Eu creio que quase todas as aldeias indígenas têm uma escola boa, e eu não sei por que que a daqui foi abandonada desse jeito”, afirma Cristiane Nunes, 28 anos, professora da EJA.

A escola recebeu material permanente da Seduc apenas uma vez. Há cerca de seis anos, foram entregues sete carteiras escolares e uma lousa. A lousa, inclusive, já foi substituída por outra, fruto de doação, já que o Estado nunca voltou a enviar novos equipamentos. Desde então, a unidade funciona sem qualquer reposição de mobiliário ou materiais permanentes. Além disso, nunca chegaram materiais didáticos da Seduc para os alunos da Aldeia Esperança.

A entrega feita à época foi insuficiente e inadequada: as sete carteiras são para alunos canhotos, embora apenas uma estudante da escola escreva com a mão esquerda. A falta de mobiliário adequado tem impactos diretos sobre os alunos. Flávia Sousa Timbira, 11 anos, aluna do 5º ano, sofre de fortes dores na coluna. O pai, Fábio Timbira, 43 anos, liderança indígena, acredita que o problema esteja relacionado às condições da escola. “Ela sente muita dor, principalmente quando vai pra aula. O caso dela é grave. Falaram que iam deixar as cadeiras e até agora nada”, relata.

Crianças indígenas sentadas em bancos improvisados de madeira, escrevendo em cadernos apoiados no colo, em uma sala de aula aberta, com piso de terra e cobertura de palha. A ausência de carteiras adequadas compromete o conforto e a postura dos estudantes durante a aula.
Parte dos alunos da Aldeia Esperança assiste às aulas sentada em bancos improvisados de madeira, sem encosto e sem ergonomia. Gabriel Bruno

A situação da Aldeia Esperança não é novidade para os órgãos públicos. De acordo com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em resposta a pedido feito via LAI, o órgão realizou reunião para discutir a precariedade da educação na TI Geralda/Toco Preto em julho de 2022. A ata do encontro registra que a Seduc prometeu “análise e soluções”. Em agosto daquele ano, nova reunião foi marcada. Três anos depois, os mesmos problemas permanecem. A DPU (Defensoria Pública da União), em posicionamento ao Atual7, confirmou que possui processo de assistência jurídica aberto a partir de “notícias de graves violações ao direito à educação indígena” na comunidade.

Para Emilene Sousa, a precariedade vista na Aldeia Esperança compromete o próprio sentido da escola indígena. “A escola deve ser um espaço de encontro entre o mundo indígena e o mundo não indígena. Quando falta estrutura mínima, ela não consegue proteger o conhecimento tradicional e nem garantir o aprendizado do português”, explica.

Aldeia Araruna: 15 crianças fora da escola

Foto colorida em plano aberto mostrando uma construção rústica de paredes de barro marrom e telhado de palha seca. No centro, há uma porta de madeira fechada. Do lado esquerdo, vê-se um cercado retangular feito de folhas de palmeira trançadas, que funciona como banheiro. O chão é de terra batida. Ao fundo e nas laterais, há vegetação verde e palmeiras sob um céu nublado.
Na Aldeia Araruna, as aulas ocorrem dentro desta estrutura de barro com teto de palha, sem janelas ou ventilação adequada. À esquerda, cercado por palhas, fica o banheiro improvisado da escola. Gelson Guajajara/Reprodução

A cerca de 70 quilômetros dali, na Aldeia Araruna, Terra Indígena Urucu-Juruá, também em Itaipava do Grajaú, o cenário não é muito diferente daquele encontrado na Aldeia Esperança. Os alunos do povo Guajajara estudam em uma sala de barro, com teto de palha, sem ventiladores e sentados em bancos rústicos de madeira.

“Aqui é muito ruim. Olha esse banco duro, é ruim demais e fica apertado. Quando chove fica pingando e molha o caderno, não dá pra estudar.”

Denis Guajajara, 13 anos | aluno do 5º ano

Foto colorida em plano médio (da cintura para cima) com foco no rosto do menino Denis Guajajara. Ele tem pele morena, cabelos curtos e escuros e olha fixamente para a frente com expressão séria. Veste uma camiseta branca com detalhes em amarelo e preto. Ele está sentado atrás de uma bancada feita de madeira rústica e bruta. Ao fundo, na penumbra da sala de barro, é possível ver outras duas crianças sentadas e um cartaz com o alfabeto fixado na parede.
Denis Guajajara, 13 anos, durante aula na Aldeia Araruna. O estudante relata dificuldades de concentração devido aos bancos rústicos improvisados e à falta de estrutura da escola. Gabriel Bruno

Na Aldeia Araruna, 32 crianças frequentam a escola improvisada nos turnos da manhã e da tarde. Porém, outras 15, todas com idade entre 3 e 5 anos, estão fora da sala de aula porque o município ainda não contratou professor para atender a Educação Infantil. No período noturno, 18 alunos da EJA também estão sem aula pela ausência de docente.

Pela Seduc, há apenas dois professores polivalentes, um pela manhã e outro à tarde. Um educador polivalente atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ensinando diversas disciplinas, como Português, Matemática, Ciências entre outras.

A escola estadual da Aldeia Araruna funciona como anexo da escola indígena Sumaúma e não possui código Inep próprio, o que a torna invisível nas estatísticas oficiais.

Documentos da Funai de 2022, obtidos pela reportagem, mostram que os mesmos problemas — falta de professores, merenda irregular e carência de acompanhamento, além de ausência de transporte — já eram relatados há três anos. A DPU confirmou que possui procedimento aberto sobre “graves violações ao direito à educação indígena” na TI Urucu-Juruá.

Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Municipal de Educação de Itaipava do Grajaú alegou que tanto a Aldeia Esperança quanto a Araruna são “agrupamentos de formação recente”, resultantes de divergências de lideranças internas, e que, por isso, ainda não possuem reconhecimento formal para a criação de unidades escolares com código Inep próprio.

A pasta sustenta que as crianças estão oficialmente matriculadas em escolas de aldeias vizinhas já reconhecidas, Aldeia Juruá e Aldeia Geralda/Toco Preto, localizadas, segundo mapas enviados pela prefeitura, a cerca de 1,4 quilômetros e 2 quilômetros de distância dos novos agrupamentos. Sobre a evasão escolar na Aldeia Araruna, a secretaria afirma disponibilizar transporte escolar e atribui a não frequência das crianças a uma “decisão de algumas famílias”, afirmando não haver base legal para criar novas escolas nos locais autodeclarados.

Aldeia Escalvado: do modelo falho ao improviso municipal

Depois de percorrer duas aldeias onde as escolas foram erguidas pela própria comunidade, a Aldeia Escalvado parece, à primeira vista, uma exceção. A estrada que leva até lá já anuncia outra paisagem: a vegetação é mais seca, os pequizeiros aparecem carregados de frutos e flores de açucena se espalham pelo chão arenoso, marcando a entrada no cerrado maranhense. Localizada no município de Fernando Falcão, dentro da Terra Indígena Canela Memortumré, território tradicional do povo Canela, está a maior escola de educação indígena já entregue pelo Estado.

Foto colorida horizontal mostrando a fachada de uma escola pública. A estrutura é um pórtico largo de alvenaria pintada de branco. Na parte superior, lê-se em letras pretas garrafais: "C.E.E.I. RAIMUNDO ROBERTO KAPÊRTYC CANELA". Abaixo, há um portão central de grades de ferro preto que está aberto, permitindo ver um pátio interno com algumas plantas. À direita, na parede, está pintado o logotipo colorido do Governo do Maranhão com o slogan "Trabalhando para todos". O chão em frente à escola é coberto por cascalho escuro. O sol brilha forte atrás da construção, criando um leve contraluz.
Fachada do Centro de Educação Escolar Indígena Raimundo Roberto Kapêrtyc Canela, na Aldeia Escalvado. A unidade sofre com superlotação e falhas na rede elétrica que impedem o uso pleno da climatização. Gabriel Bruno

O Centro de Educação Escolar Indígena Raimundo Roberto Kapêrtyc Canela foi inaugurado em abril de 2024 com a promessa de que seria uma referência para um novo modelo de prédios escolares em territórios indígenas do Maranhão. No entanto, a estrutura entregue ao povo Canela apresenta falhas graves de funcionamento.

“Teve uma vez que queimou um transformador, ficamos uma semana sem aula. A gente tá necessitando da energia trifásica, se a gente liga todos os ar-condicionados dá problema.”

Oziel Irongukre Canela, 39 anos | diretor da escola

A escola foi construída com um sistema elétrico bifásico, incapaz de sustentar a carga dos equipamentos instalados. As salas de aula estão superlotadas: turmas que deveriam atender até 25 estudantes recebem cerca de 35. Segundo os microdados do Censo Escolar, a unidade registrou 877 matrículas em 2024 e, de acordo com o diretor, deve se aproximar de 1.000 alunos no próximo Censo.

O Ministério Público Federal e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) — que atua como assistente do MPF nos processos decorrentes do termo assinado em 2012 — têm impugnado relatórios de “obras concluídas” entregues pela Seduc. Para o Cimi, uma escola sem energia compatível com a região não é uma escola “adequada” nos termos do TAC.

Entre os estudantes, o pedido mais recorrente é pela construção de uma quadra poliesportiva. “Às vezes no intervalo a gente não tem nada pra fazer. Os alunos querem jogar vôlei e futebol”, diz Leidilene Canela, 12 anos, aluna do 7º ano. Outro problema estrutural grave foi apontado pela professora Silvana Pyhkwyj Canela, 33 anos, professora de língua materna: parte do teto de uma sala de aula caiu. Felizmente no momento não estava tendo aula. A direção da escola já solicitou o reparo, mas até o momento não foi solucionado.

Na época da inauguração da escola foi entregue um laboratório de ciências que até hoje não foi utilizado pelos alunos. “Esse é nosso maior sonho, mas lá não tem nada”, expõe Silvana.

A rotina também é marcada por problemas de manutenção e conservação. Segundo funcionários, apenas quatro cozinheiras se dividem entre o preparo da comida e a limpeza de toda a escola, o que faz com que muitos espaços permaneçam sujos ao longo do dia.

A Educação Infantil oferecida pelo município de Fernando Falcão é feita de forma improvisada em um prédio que antes abrigava uma UBS (Unidade Básica de Saúde). O espaço da Escola Municipal de Educação Infantil Indígena Raimundo Nonato Koire Canela é inadequado para atender crianças de 3 a 5 anos. Como os banheiros, mesmo possuindo vasos sanitários, não estão disponíveis para uso, as crianças são obrigadas a urinar e defecar no mato, do lado de fora da escola.

Segundo uma fonte que pediu anonimato, as crianças chegam a chorar por causa do calor extremo. “Tá com uma semana que, por causa do acompanhamento da Defensoria Pública, a prefeita mandou instalar ventilador. Mas ainda tem três salas sem”, denuncia. De acordo com o Censo Escolar de 2024, a escola registrou 248 matrículas naquele ano.

A comunidade está na expectativa para o início da construção da escola de educação infantil definitiva. Uma placa instalada no canteiro de obras informa que o início da construção se deu em 20 de agosto de 2025, com previsão de entrega para 20 de agosto de 2026. Porém, de acordo com informações de moradores da Aldeia Escalvado, a obra nunca começou de fato.

Foto colorida horizontal em plano aberto mostrando duas placas de obra grandes sustentadas por estacas de madeira em um terreno de terra batida e arenosa. A placa da esquerda, com fundo roxo, identifica a construtora "Cristal" e o engenheiro responsável. A placa da direita, com fundo branco e logotipos coloridos do Governo Federal e da Prefeitura de Fernando Falcão, traz os dados do contrato: "Construção de uma escola de 09 salas", com início da obra em 20/08/2025, término em 20/08/2026 e valor total de R$ 9.619.775,74. Ao fundo, vê-se o chão limpo sem construções e um céu nublado.
Placas na Aldeia Escalvado anunciam a construção de uma escola de nove salas com início oficial em 20 de agosto de 2025 e investimento de R$ 9,6 milhões; apesar do prazo em andamento, o terreno segue vazio, sem sinais de alvenaria ou canteiro de obras instalado. Reprodução

Procurada, a secretária de Educação de Fernando Falcão, Rauena Tavares respondeu que a prefeitura classifica como “em andamento” a obra de construção da nova unidade escolar. Sobre a placa indicar o início das atividades para agosto, Tavares sequer soube confirmar o início da obra. “A construção, de fato, eu não sei se ela já iniciou […] Eu sei que foi feita a limpeza do terreno, mas a questão de colocar tijolo sobre tijolo, eu não sei te dizer”, confessou.

A secretária respondeu ainda, sem comprovação, que o problema da sala sem ventiladores teria sido resolvido, pois os aparelhos já teriam sido comprados e instalados na escola provisória.

A precariedade dos vínculos trabalhistas é outro ponto de tensão. Na Aldeia Escalvado uma fonte que preferiu não ser identificada na reportagem, denunciou que os profissionais contratados pelo município atuam sem garantias previdenciárias.

Segundo o relato, embora os contratos sejam renovados anualmente, os servidores recebem apenas o salário base, sem o recolhimento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou acesso a outros direitos trabalhistas, o que deixa a equipe desamparada. “Eles não pagam nenhum benefício. Não tem desconto de nada para benefício, nada”, desabafou.

Questionada sobre a ausência de contribuições ao INSS para os professores contratados, a secretária Rauena Tavares respondeu que os contratos municipais seguem o modelo do Governo do Estado, sendo temporários e sem criação de vínculo empregatício. Sobre a falta específica dos recolhimentos previdenciários, a gestora alegou não ter informações detalhadas, por a responsabilidade ser de outro setor da administração. “Essa questão do INSS eu não sei te informar, porque isso já teria que ser com o setor Jurídico, com o RH, aliás”, disse.

Taquaritiua e Tabarelzinho: a invisibilidade dos Gamella

Depois de percorrer três territórios indígenas diferentes, o Atual7 chegou ao município de Viana, na região da Baixada Maranhense. Ali fica parte da Terra Indígena Taquaritiua, território do povo Akroá-Gamella, que também se estende pelos municípios de Penalva e Matinha. Como a TI ainda está em fase inicial de demarcação, a luta por direitos básicos se torna ainda mais difícil.

Na Aldeia Taquaritiua, a Escola Municipal Olegário Teófilo Meireles é classificada como escola indígena e tem cinco professores indígenas indicados pela própria comunidade. Porém, no Censo Escolar, não há registro de que a unidade seja bilíngue. A escola atende Educação Infantil e Ensino Fundamental em uma estrutura pequena, com quatro salas superlotadas e sem ar-condicionado.

Foto colorida em plano inteiro mostrando duas crianças indígenas, um menino e uma menina, em pé lado a lado, descalços. O menino, à esquerda, está sem camisa e usa bermuda jeans azul escuro. A menina, à direita, usa um top estampado preto e branco e short preto. Atrás deles, uma parede branca e azul exibe o logotipo colorido da Prefeitura de Viana com o slogan "Quem ama, cuida". A pintura da parte inferior da parede está bastante desgastada e descascando, revelando o reboco e manchas de umidade.
Ahcahhuc Akroá-Gamella e Tiire Cwyj Akorá-Gamella, ambos de 5 anos, em frente à escola municipal em Viana; o desgaste na pintura da fachada contrasta com o slogan da gestão municipal e reflete a falta de manutenção na unidade que atende a comunidade indígena. Kethlen Mata/Atual7

“As salas são terríveis, muito quentes. Teve um caso que aconteceu comigo na sala de aula em que uma janela quase caiu no braço de um aluno. E eu já tinha reclamado demais dessa janela.”

Xip Cwij Akroá-Gamella, 31 anos | professora indígena

Perto dali, na Aldeia Tabarelzinho, a situação é ainda mais grave. A Escola Municipal São Raimundo Nonato sequer é reconhecida como indígena pelo Censo Escolar. Quem chega ao local encontra o prédio cercado por vegetação alta, o que confere à unidade uma aparência de abandono. Não há ensino bilíngue e não há professores indígenas. O contraste entre as duas aldeias é que uma tem reconhecimento formal, mas a outra é invisível. A situação evidencia como a falta de demarcação territorial amplia a vulnerabilidade dos povos indígenas.

Nas duas aldeias, não há oferta de Ensino Médio. Os jovens Gamella que querem continuar estudando precisam percorrer longos caminhos até escolas na zona urbana de Viana.

A prefeitura de Viana foi questionada pela reportagem sobre a situação da educação escolar indígena no município, via e-mail enviado à secretaria de Educação no dia 9 de dezembro, mas não houve retorno. No dia 12 de dezembro, em mensagem por WhatsApp, a secretária Cleicy Nunes respondeu apenas que iria “verificar [a respeito do assunto] com os setores”.

Novo processo, mesmas pendências

Em 2016, diante do descumprimento de outras obrigações previstas no TAC, um segundo processo (nº 0012480-41.2016.4.01.3700) foi aberto para tratar de temas como material escolar, merenda, projetos pedagógicos e a criação da carreira do magistério indígena. Mais de uma década após a assinatura do acordo e anos após o início das ações judiciais, grande parte das determinações continua pendente, com impactos diretos no cotidiano das comunidades.

Em audiência pública realizada em 3 de outubro de 2025, que, dentre outras coisas, tratou sobre um anteprojeto de lei que regulamenta o magistério indígena, a Seduc informou que o texto ainda tramita internamente na Casa Civil. “O Procurador do Estado se comprometeu a interceder junto aos órgãos do Estado para encaminhar o anteprojeto para a Assembleia Legislativa”, diz trecho da ata da audiência.

Em nota enviada ao Atual7, a Assessoria Jurídica do Cimi classificou a postura do Estado como “protelatória” e denunciou o uso político das contratações precárias. Para a entidade, a renovação anual de contratos temporários sem concurso público “serve apenas à manutenção de cabrestos políticos locais, em detrimento da autonomia pedagógica indígena”, diz a nota.

Documentos da Funai de 2022 também mostram que lideranças indígenas denunciaram a ausência da realização de concurso público para contratação específica de docentes indígenas. “O professor depois de trabalhar mais de 20 anos é jogado fora sem direito a nada”, diz trecho de processo interno disponibilizado pelo órgão.

“A gente tá reivindicando que o Estado possa ceder para nós um concurso público, que possa garantir a permanência, a nossa autonomia, especificamente para nós indígenas.”

Dermivaldo Canela, 29 anos | professor de História

Representantes das comunidades indígenas presentes na audiência realizada em outubro denunciaram não ter recebido material escolar por parte da Seduc — com exceção da comunidade Kwarahy, em Barra do Corda, que informou o recebimento de livros e recursos do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola).

A Seduc tentou transferir essa responsabilidade, alegando que “muitas escolas indígenas se associaram e recebem o PDDE diretamente, não tendo o Estado nenhuma ingerência”. O MPF contestou, e sugeriu que o governo estadual apresente a “relação das escolas que são de responsabilidade do Estado”. Também que elabore “modelo de recibo do material para assegurar a rastreabilidade”.

O que dizem os órgãos

A Seduc foi procurada insistentemente pelo Atual7 para prestar esclarecimentos sobre o cumprimento do TAC firmado com o MPF em 2012, incluindo a situação estrutural e pedagógica encontrada pela reportagem nas escolas visitadas. Inicialmente, foram enviados dois pedidos de entrevista via e-mail à secretária Jandira Dias, nos dias 14 e 17 de novembro, mas não houve resposta. A reportagem também buscou o supervisor de Modalidades e Diversidades Educacionais da pasta, Jocenilson Costa, por e-mail e mensagem por WhatsApp, em 3 de dezembro.

Em nota genérica, a Seduc ignorou as solicitações de esclarecimento enviadas pela reportagem, não apresentou o cronograma de obras nem prazos ou medidas emergenciais para problemas como a precariedade da infraestrutura e da alimentação escolar nas escolas indígenas.

A PGE (Procuradoria-Geral do Estado), responsável pela representação do Estado em processos judiciais, também foi procurada, mas não respondeu. A tentativa de contato foi feita via e-mail da Secom (Secretaria de Estado da Comunicação Social) no dia 9 de dezembro.

O MPF, que celebrou o TAC com a Seduc, foi questionado sobre a eficácia da judicialização do acordo firmado em 2012 com a pasta, se houve pagamento de multas pelo descumprimento, a permanência de escolas improvisadas, falhas estruturais em unidades entregues, ausência de material escolar, merenda e professores e a respeito do atraso do Estado na criação da carreira do magistério indígena e medidas previstas diante da continuidade das violações. O órgão, porém, não enviou resposta até o momento.

O Cimi, afirmou em nota ao Atual7, que o cenário de “escolas de barro”, como na Aldeia Araruna, é de pleno conhecimento judicial. A entidade critica o fato de o Estado empurrar a execução orçamentária para 2026 enquanto apresenta apenas “relatórios de visita” à Justiça. “Relatórios de visita não garantem sala de aula”, afirma o Conselho.

Sobre a alimentação escolar, o Cimi alerta que a falta de cozinhas adequadas força o consumo de alimentos ultraprocessados e que há relatos de entrega de itens “sem a conservação devida ou fora do prazo de validade”, o que viola o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

O jogo de empurra entre União e Estado

Questionado sobre a precariedade da infraestrutura e a ausência de carreira própria para os professores indígenas, o MEC eximiu-se de responsabilidade. Ao Atual7, a pasta afirmou que “a responsabilidade direta da oferta da educação escolar indígena, conforme legislação em vigor, é dos Estados e Municípios, assim como a construção, manutenção e gestão das escolas”.

Sobre a falta de concursos públicos e a precarização do trabalho docente, o ministério limitou-se a informar que seu papel é de “apoio técnico e financeiro”, citando genericamente a oferta de cursos de formação continuada, mas alegando não possuir ingerência sobre a contratação de servidores.

Ainda segundo o MEC, “as escolas e aldeias mencionadas poderão ser contempladas pelos programas federais mediante adesão do ente responsável e apresentação dos projetos”. Ou seja: os recursos existem, mas dependem de iniciativa do Estado e dos Municípios.

Quanto ao acordo firmado entre o MPF e o Estado em 2012, o ministério explicou que “o acompanhamento direto do TAC não é competência do MEC”.

O MPI (Ministério dos Povos Indígenas), comandado pela maranhense Sônia Guajajara, do povo Guajajara, também foi procurado. A pasta, porém, respondeu que não cabe a ela se posicionar sobre a situação das escolas indígenas no estado, mas ao ao MEC e à Seduc.

Em 11 de novembro de 2025, durante reunião no MPF com a participação da DPU, ficou definida uma lista de escolas prioritárias para intervenção — incluindo a Aldeia Esperança, onde Thayane Timbira sonha com uma “escola de tijolo com cerâmica”. A Sinfra tem até janeiro de 2026 para apresentar um cronograma de obras.

A DPU informou ao Atual7 que “permanecerá monitorando as obrigações assumidas pelo Estado do Maranhão e, em caso de descumprimento, adotará as medidas cabíveis”. O órgão participa das audiências judiciais como representante dos interesses das comunidades indígenas assistidas.

“A realidade das escolas indígenas no Estado do Maranhão ainda é extremamente precária e não há avanços significativos desde a celebração do TAC em 2012”

Defensoria Pública da União | em resposta ao Atual7

Nas quatro Terras Indígenas visitadas pela reportagem, representantes das comunidades relataram não receber material escolar. A merenda, quando chega, é de baixa qualidade. “Só tem suco de pacote”, nas palavras de Thayane Timbira. E a formação oferecida não resolve o problema estrutural de professores formados continuarem trabalhando como temporários, sem carreira.

Na Aldeia Esperança, enquanto a política pública não chega, a vida segue. Thayane Timbira vai à escola todos os dias, mesmo quando chove e molha o caderno. Mesmo quando o sol entra e ela precisa ficar “bem pro lado de cá”. Mesmo quando a merenda é só suco de pacote.

Três governos, o mesmo abandono

O TAC sobre educação escolar indígena foi firmado durante o governo de Roseana Sarney (MDB). Era o primeiro ano de seu quarto mandato. A governadora deixou o cargo sem cumprir as obrigações do TAC.

Seu sucessor, Flávio Dino, governou o Maranhão por dois mandatos consecutivos, de 2015 a 2022. Durante oito anos, o processo judicial seguiu tramitando. Audiências foram realizadas, prazos foram estipulados, compromissos foram assumidos em atas. Quando Dino deixou o Palácio dos Leões para assumir o Ministério da Justiça e, posteriormente, uma cadeira no STF (Supremo Tribunal Federal), as escolas indígenas continuavam precárias.

Carlos Brandão (PSB), então vice de Dino, assumiu o governo e foi reeleito em 2022. Em abril de 2024, seu governo inaugurou o Centro de Educação Escolar Indígena Raimundo Roberto Kapêrtyc Canela como símbolo de uma nova política para a educação indígena. A reportagem encontrou a escola com problemas elétricos graves, salas superlotadas, teto caindo e sem capacidade de atender a demanda da comunidade.

Créditos

You may also like