Home » O Natal e a Música Brasileiro

O Natal e a Música Brasileiro

by admin

Em 2007 o grupo Roupa Nova gravou um CD com músicas natalinas, chamado “Natal todo dia”. O repertório foi baseado em versões para o português de músicas europeias e norte-americanas.

O argumento utilizado para esse predomínio de canções estrangeiras foi a ausência de uma tradição de músicas natalinas brasileiras. O produtor Max Pierre chegou a declarar em entrevista o Globo na ocasião que “na semana passada fui a Gramado e fiquei ouvindo aquelas músicas em inglês, lamentando não termos canções em português para sonorizar a festa”. A ótima cantora Simone, que gravou um repertório parecido num disco de bastante sucesso lançado em 1995, também afirmou à época que a ausência de canções brasileiras de Natal a levou a privilegiar canções norte-americanas e inglesas.

De lá para cá outros projetos baseados nesse pressuposto aconteceram.

Quero apenas dizer que esse argumento, uma espécie até de senso comum, não se sustenta, já que o Brasil tem uma forte tradição de músicas natalinas. Se ficarmos na tradição popular, basta lembrar dos cantos de domínio público dos pastoris, das cheganças, das marujadas, do boi-de-calemba, do fandango, das lapinhas, das congadas, e por aí vai.

Indo para os registros autorais, sabemos que a primeira canção natalina brasileira a estourar no disco foi “Boas Festas”, o clássico de Assis Valente, gravada em 1933 por Carlos Galhardo, com arranjo de Pixinguinha. O sucesso foi tanto que, no ano seguinte, Ary Barroso, Braguinha, Bide, Herivelto Martins e o próprio Assis Valente lançaram marchas de Natal.

A lista de autores e intérpretes de canções natalinas brasileiras é longa: Luiz Gonzaga, Dalva de Oliveira, Clementina de Jesus, Francisco Alves, Chico Buarque, Elizeth Cardoso, Blecaute, Fundo de Quintal, Nei Lopes, Wilson Moreira, Roque Ferreira, Luiz Carlos da Vila, Clara Nunes, Paulo César Pinheiro, Vinícius de Moraes, Baden Powell, Zezé Mota, Carlos Galhardo, Dominguinhos, João Nogueira, Jorge Ben, Dauro do Salgueiro, Zé Luiz do Império, Almir Guineto, Toque de Prima, Sombrinha, Lupicínio Rodrigues, Jamelão, Cartola, Beth Carvalho, Carmem Miranda, Aurora Miranda, Dona Ivonne Lara, Luiz Grande, Dick Farney, Adoniran Barbosa, Monica Salmaso, Celso Viáfora, Tonico e Tinoco, Elomar, Xangai, Pena Branca e Xavantinho, Marlene, Emilinha…

Boa parte do cancioneiro do Natal brasileiro passa longe de clássicos como “botei meu sapatinho”, “noite feliz” e “bate o sino pequenino”, e mergulha na crônica de costumes. Distancia-se, ainda, de uma estética natalina presente na neve, nas castanhas e na curiosa e um tanto bizarra figura de um Papai Noel adequado ao frio do Polo Norte.

Adoniran Barbosa, em “Véspera de Natal”, fala da impagável e triste história do Bom Velhinho preso numa chaminé de uma casa pobre que rima com jingle bé. Marlene gravou “Patinete no Morro”, que começa com o verso “Papai Noel não sobe na favela”. Celso Viáfora fez “Papai Noel de camiseta”, prevendo um Natal na sarjeta com cachaça, arroz, feijão, malagueta, doce de leite, balas de goma e quindins.

Vou dar aqui a minha dica mais preciosa: em 1999, foi lançado o ótimo álbum “Um Natal de samba”, com produção de Paulinho Albuquerque e um elenco de sambistas acima de qualquer suspeita: Nei Lopes, Luiz Carlos da Vila, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, João Nogueira, Dona Ivonne Lara, Délcio Carvalho, Luiz Grande, Fundo de Quintal. Na maioria do repertório, doses generosas de amargura, drible na pobreza, recordações, e a alegria subversiva que a festa traz no meio do sufoco do cotidiano.

Que o Jingle Bells, portanto, vá para as cucuias e na noite de Natal as familias escutem o cancioneiro vastíssimo do Brasil natalino. E que – desculpem o desabafo – boa parte da indústria fonográfica vá catar coquinho na Lapônia ao lado dos programadores musicais dos Natais de Gramado, Campos do Jordão e similares, com essa obscena nostalgia da neve.



Créditos

You may also like