O Brasil tem atravessado crises sobrepostas que escancaram a fragilidade de ações e respostas isoladas. Em meio a urgências climáticas, sociais e econômicas, a filantropia e o Investimento Social Privado vêm assumindo um papel cada vez mais relevante no enfrentamento a desafios estruturantes.
Longe de serem acessórios, instituições que fazem filantropia têm se consolidado como atores estratégicos para apoiar e complementar o alcance de políticas públicas a partir de seu capital social e financeiro. O novo Censo GIFE 2024-2025 produzido pelo Grupo de Instituto, Fundações e Empresas [www.gife.org.br], lançado nesta segunda-feira, 8, confirma a importância destes recursos no enfrentamento aos múltiplos desafios pelos quais passamos.
A partir de uma ação voluntária e mesmo com o baixo crescimento da economia, o Investimento Social Privado cresceu e atingiu R$ 5,8 bilhões, em 2024. Na série histórica de 13 anos, esse volume só fica atrás de 2020, ano de mobilização extraordinária contra a pandemia da Covid-19. São seis anos consecutivos de crescimento sustentado, demonstrando o fortalecimento da cultura de doação no país.
Além da educação, que segue como principal foco de atuação de 67% das organizações respondentes à pesquisa, destacam-se outras agendas também voltadas a transformar realidades. Iniciativas de desenvolvimento local e inclusão produtiva bem como empreendedorismo e geração de renda já mobilizam 49% das instituições associadas, impulsionando caminhos de mobilidade econômica. Ao mesmo tempo, o combate ao racismo e às desigualdades raciais, apontado por 31% das organizações, e o apoio às pautas LGBTQIAPN+ — presente em 25% delas — revelam o avanço de uma filantropia cada vez mais comprometida com a defesa de direitos e a redução de barreiras históricas.
Percebe-se também que o fortalecimento da democracia segue como um eixo orientador das instituições associadas ao GIFE: 83% delas declararam prestar algum tipo de apoio especificamente a Organizações da Sociedade Civil (OSC). Tal resultado reforça a correta aposta de que uma democracia forte requer uma sociedade civil bem estruturada.
Pela primeira vez, a agenda climática aparece no Censo. Em 2024, quase R$ 400 milhões foram destinados à pauta, equivalentes a 6% do total investido pelos associados respondentes. Proporcionalmente, o Brasil já supera em três vezes a média mundial, já que apenas 2% da filantropia global é direcionada ao clima, segundo o relatório Funding Trends 2024.
Diferentemente da alta concentração na Amazônia dos recursos internacionais que chegam ao país, o Investimento Social Privado brasileiro atua nos múltiplos biomas. A análise territorial revela coerência com os desafios ambientais.
A Amazônia concentra ações de 78% das organizações, seguida da Mata Atlântica (68%) e do Cerrado (62%). Houve ainda aumento significativo da presença em territórios historicamente negligenciados: a atuação em terras indígenas dobrou, passando de 7% para 14%; e em quilombos subiu de 10% para 14%.
O novo Censo GIFE 2024-2025 revela, portanto, o aumento do protagonismo da filantropia para enfrentar crises e reduzir desigualdades históricas. Os dados demonstram a maturidade de um setor que atua de forma complementar ao Estado e em parceria com a sociedade civil, mobilizando conhecimento técnico, aportando recursos flexíveis e apostando na diversidade de perspectivas. É essa combinação que reafirma o potencial da filantropia e sua contribuição para a construção de um país mais justo, equânime e sustentável.
* Cassio França é secretário-geral do GIFE. Patricia Kunrath é coordenadora de Conhecimento do GIFE
