Sempre que tento citar o Paradoxo de Guardiola de memória no “Redação SporTV”, inverto a ordem. Nunca consigo me lembrar se o certo é ganhar um campeonato de pontos corridos nas oito primeiras rodadas e perder nas oito últimas ou perder nas oito primeiras e ganhar nas oito últimas. Já virou questão de honra. Em vez de checar antes no laptop que fica bem na minha frente, digo para mim mesmo: desta vez vou acertar. Aí erro, e sou corrigido por um dos comentaristas, o ponto eletrônico, amigos que mandam mensagens pelo WhatsApp ou todo mundo junto. Já deu para perceber que vou falar do paradoxo nesta coluna, né? E sem usar um site de busca. Mas não precisa se preparar para me corrigir. Porque o Brasileirão escolheu um lado – que pode até ser o certo, mas a razão de qualquer forma estará errada – e tudo indica que será perdido por Flamengo ou Palmeiras na reta final.
A Libertadores, mesmo sendo um torneio de mata-mata, também não está livre de ver uma decisão ser mais perdida pelo desgaste do que vencida pelo talento. Estamos diante da maior disputa entre dois clubes brasileiros num fim de temporada. (Calma: isso não quer dizer que Flamengo e Palmeiras tenham em 2025 os melhores times da história do nosso futebol, nem que não houve duelos incríveis no passado; o ponto aqui é que nunca vimos os mesmos adversários lutando diretamente pelos dois títulos, como agora.) Faltam quatro rodadas e um confronto direto para apontar o campeão nacional e o primeiro tetracampeão continental do país. Mas a maratona a que jogadores de ambos os lados foram submetidos ao longo do ano transformou a reta de chegada numa luta pela sobrevivência.
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Flamengo e Palmeiras são os clubes mais ricos da América do Sul (meu amigo Roberto Proença sugeriu batizar o confronto entre eles de Clássico dos Bilhões, e achei o nome apropriado). Têm mais jogadores de qualidade do que seus rivais no Brasileiro e na Libertadores, como – guardadas as devidas e enormes proporções – costuma acontecer com os times que Guardiola dirige. E mesmo em ligas bilionárias como a inglesa, onde hoje trabalha o criador do paradoxo, os melhores elencos acabam sendo os mais exigidos física e mentalmente, porque disputam mais títulos e, por consequência, mais jogos. O Brasil, porém, leva tudo ao limite quando se trata de futebol. Aqui, as perdas ao longo de uma temporada não são apenas eventuais.
Neste sábado, a vantagem do Flamengo chegou a quatro pontos. E tanto o líder quanto o rival Palmeiras puderam usar quase todos os seus titulares. Mas nos dois jogos anteriores, quem entrou em campo foram os reservas. Havia praticamente um time de convocados de cada lado para a data Fifa. Na quarta, alguns voltaram para tentar ajudar, a maioria entrando no segundo tempo. No sábado anterior, foi preciso recorrer aos garotos da base para fazer as substituições. Mesmo tendo acontecido com ambos, e praticamente na mesma proporção, está fundamentalmente errado que rodadas decisivas de um campeonato sejam disputadas nessas condições (e o mesmo se poderia dizer das oito primeiras, porque os pontos perdidos nelas também contam no fim).
O calendário do futebol brasileiro não cabe num ano. E isso não é paradoxal. É boçal.
