A Copa do Mundo de nosso Admirável Mundo Novo teve seu sorteio ontem e, por sorte, os deuses do constrangimento estavam de folga. Sempre soubemos que a FIFA é uma entidade pragmática — e que adular Donald Trump é o método mais eficaz para obter seus bons favores. Sempre soubemos também que o presidente da entidade máxima do futebol, Gianni Infantino, é uma espécie de Dadá Maravilha diplomático — não tem vergonha de fazer gol feio. Mas ontem… Infantino exagerou.
A entidade que se diz apolítica (há!) presenteou Trump com medalha, diploma e seu primeiríssimo… troféu da paz. A taça traz um globo terrestre sustentado por mãos humanas e, além de pouco bela, transmite uma certa agonia. O presidente americano passou o ano fazendo lobby pelo Nobel da paz — e foi solenemente ignorado. Talvez haja alguma ironia subliminar, mas Infantino acoplou fundo no discurso. Citou a trégua na Faixa de Gaza e outros conflitos para louvar Trump como um artífice da paz mundial (curiosamente não mencionou barcos caribenhos nem um certo conflito na Ucrânia que forçou a FIFA a banir a Rússia de suas competições).
— É isso que queremos de um líder: alguém que se importa com as pessoas e queira uni-las num mundo seguro. O senhor é merecedor do primeiro prêmio de paz da FIFA!
Bajulou firme, bajulou rude. A maquiagem laranja de Trump resistiu bravamente aos holofotes e, por conta disso, não sabemos se houve algum vestígio de rubor. Em conhecendo Trump… é razoável supor que não. Pouco antes, Infantino havia dito que a FIFA quer unir todos os povos.
— Teremos visitantes de mais de 200 países aqui!
Quem sabe, durante a Copa, o Governo Trump dê férias para o pessoal do ICE (sua polícia alfandegária) que tem promovido um bote atrás do outro para deportar quem parece imigrante. Infantino trabalha na superfície para obter gentileza longe das câmeras. Os EUA estão contratando pessoas em seus consulados mundo afora para facilitar a entrada de turistas — algo que contrasta, obviamente, com as blitze mascaradas do ICE. A FIFA sabe que vai precisar de tolerância máxima durante seu megaevento. Então, fechem os olhos, crianças — porque política é sempre teatro.
Um dos principais projetos de Infantino foi ampliar a Copa. Em 2026 teremos a estreia da versão com 48 seleções — o que fez com que países como Cabo Verde, Jordânia, Uzbequistão e Curaçao conquistassem o sonho de disputar o Mundial. Essa experiência talvez seja traumática. Já há quem diga que Alemanha x Curaçao pode descumprir a convenção de Genebra. Teremos, é provável, um recorde de goleadas e partidas sofríveis.
Para Infantino… será um sucesso. O faturamento aumenta e em 2030, na Arábia Saudita, ele já sabe que será questionado sobre democracia e outros detalhes da vida (como direitos humanos e respeito às mulheres). Esse é o jogo jogado da FIFA — capaz de fechar um olho e piscar com o outro. A entidade informa sempre não ter fins lucrativos — e diz que não pode ser criticada por promover um mundo melhor.
— Somos o maior fornecedor de alegria do mundo — disse ontem Infantino.
Para o respeitável público, vale a constante lembrança de que na Terra ou em Nárnia… não existe almoço grátis.
