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O tempo da história na Gaudium et Spes

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“O Concílio Vaticano II refletiu de modo profundo sobre o tempo presente, os “sinais dos tempos” e a plenitude dos tempos, sobretudo a partir de uma leitura teológica da história a partir do evento-Cristo, que se fez história, mergulhando em nosso espaço. O atemporal se fez tempo. O Eterno se fez narrativa histórica, resgatando toda a história humana”.

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Chegamos ao último programa de 2025 deste nosso espaço. Pe Gerson Schmidt*, que nos acompanhou ao longo de todo este Ano Jubilar, nos propõe hoje a reflexão “O tempo da história na Gaudium et Spes”.

Esta Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II é um documento fundamental que define a relação da Igreja com o mundo moderno, focando na dignidade humana, na justiça social, na família, economia e paz, e busca interpretar os “sinais dos tempos” para oferecer uma resposta cristã aos desafios contemporâneos, promovendo uma Igreja mais aberta, engajada e dialogante com todas as pessoas:

“Estamos na comemorativa de um novo tempo, novo Ano que está chegando e batendo às portas. Sonhos, projetos e conquistas se avizinham. Qual o sentido do tempo na história? Deus fala no tempo e no espaço, Ele mergulhou na história humana.

“A fixação da data do Natal não tem preocupação cronológica, mas litúrgica e teológica”. A data de 25 de dezembro “viria da adoração do “sol invencível” (Natalis Solis invicti), …

O Concílio Vaticano II refletiu de modo profundo sobre o tempo presente, os “sinais dos tempos” e a plenitude dos tempos, sobretudo a partir de uma leitura teológica da história a partir do evento-Cristo, que se fez história, mergulhando em nosso espaço. O atemporal se fez tempo. O Eterno se fez narrativa histórica, resgatando toda a história humana. Jesus Cristo se fez história humana, caminhou entre a gente, assumindo a carne humana. Assume a humanidade, nosso jeito de ser, para redimir a história e resgatá-la. Como dizia Santo Ireneu de Lião: «o que não é assumido não é redimido». Para redimir a humanidade, Jesus precisava assumi-la de um jeito novo e especial.

É preciso entender o tempo presente e fazer uma correta leitura dos “sinais dos tempos”. O Vaticano II afirma que a Igreja não vive fora da história, mas imerso no tempo presente, chamado a discernir nele a ação de Deus. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no número 4, afirma: ““Cumpre à Igreja investigar a fundo os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações perenes dos homens acerca do sentido da vida presente e futura e das relações mútuas entre ambas”. Aqui o Concílio estabelece um princípio hermenêutico fundamental: a história é lugar teológico; os acontecimentos humanos são portadores de sentido; a Igreja deve discernir, não apenas reagir ou deixar de cumprir sua missão de transformar a realidade que se apresenta.

Na Gaudium et Spes, ainda lemos assim: “O Povo de Deus, movido pela fé que o leva a crer que é guiado pelo Espírito do Senhor que enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e nas aspirações dos homens de hoje quais são os verdadeiros sinais da presença ou dos desígnios de Deus” (GS, 11).  Os “sinais dos tempos” não são meros fatos sociológicos, mas exigem discernimento espiritual e devem ser lidos à luz do Espírito Santo.

O tempo presente marcado por mudanças profundas e o Concílio Vaticano II reconhece que o tempo atual vive rupturas e transformações inéditas. Na Gaudium et Spes, número 5, os padres conciliares afirmaram: “Nunca como hoje os homens tiveram um sentido tão agudo da liberdade; surgem novas formas de vida social e política; ao mesmo tempo, porém, muitos se inquietam com as profundas transformações do mundo”. Portanto o tempo presente é ambíguo, cheio de progresso e angústia, propondo ao mesmo tempo esperança e crise.  

Pois, é na plenitude dos tempos que Cristo irrompe no centro da história humana, trazendo luz e iluminando todo o planeta. O Concilio afirma com clareza que a plenitude dos tempos se realizou em Cristo, que dá sentido último à história. No número 10 da Gaudium et Spes, lemos assim: “Na realidade, o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado”. Num congresso Internacional Litúrgico-Teológico, Frei Carlos Susin, professor da PUCRS, referendou também a Constituição conciliar Gaudium et Spes, cuja memória de 60 anos também celebramos, afirmando assim: “No documento Gaudium et Spes, o Concílio coroa essa Cristologia, dizendo: o mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado. Cristo manifesta plenamente o humano ao próprio ser humano e lhe descobre sua altíssima vocação. É o humano descobrindo-se na humanidade do Filho de Deus”. Há, pois um canto litúrgico composto por Pe. José Cândido da Silva, muito entoado nas liturgias no Brasil que traduz essa afirmativa conciliar. Uma bela cantiga que referenda o se diz na Constituição. Diz assim o cântico intitulado “Caminhos percorremos” desse grande compositor brasileiro mineiro, que também é autor de um dos hinos da Jornada Mundial da Juventude: “No mistério de Deus Uno e Trino, o mistério do homem se encontra. Nosso Deus no absoluto do amor, nos convida à fraterna união. Caminhos Percorremos, a Igreja construindo, tentando restaurar, no homem nosso irmão, a imagem do Senhor”. Sem dúvida um belíssimo canto litúrgico que revela a teologia da Gaudium et Spes: “o mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado”.

A história humana encontra sua chave: não em ideologias, não simplesmente no progresso técnico e de comunicação virtual e digital, mas na Encarnação do Verbo Divino entre nós. Cristo recapitula tudo por meio de sua páscoa. O Concílio retoma Gálatas 4,4, afirmando: Cristo inaugura o tempo novo, a história entra numa fase escatológica e a Igreja vive entre o “já” e o “ainda não”.

O Papa Leão XIV aplica esses princípios ao contexto contemporâneo. Leão XIV chama atenção para os desafios éticos da tecnologia artificial, lembrando que o ser humano e sua dignidade devem permanecer no centro — nem desligado da fé, nem dominado pela técnica. A Igreja continua a ser  chamada a discernir os sinais dos tempos com espírito evangélico.

Cristo continua o centro da história e da missão da Igreja. A comunidade cristã continua sendo sinodal e missionária.  O Papa acentua a ética na tecnologia, solicita a busca da paz mundial, na busca da inclusão e diálogo, no combate à desigualdade e exclusão”.

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

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