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Olhando para o futuro – ICL Notícias

by admin

É tão bonito olhar para além desta quadra histórica em que parecia que tudo que uma geração construiu durante décadas seria derrubado em uma tarde de domingo.

Contemplar o amanhã na luta de hoje sem deixar de ser carinhoso, no canto harmonioso e nos gestos miúdos. Senhores que são responsáveis por boa parte da trilha sonora das nossas vidas.

Elegância em pessoa.

Os meninos dos festivais cerceados pela ditadura militar, hoje, são avós grisalhos que resistem às ameaças autoritárias. Cantam pela democracia com a brandura de quem aprendeu a não temer os que esbravejam com violência.

Muitas imagens belas foram geradas neste domingo (14) em Copacabana, na Zona Sul do Rio. O ato contra a aprovação do PL da Dosimetria na Câmara dos Deputados se transformou num ato de afeto.

Entre tantas imagens possíveis para emoldurar no coração, por que logo essa foi a que conseguiu umedecer os meus olhos? Não seria mais representativa uma foto em que estivessem também o Chico Buarque e o Gilberto Gil?

Não tem a ver com totalidade ou preferências, apenas com a captura. Fui capturado pela perspectiva contemplativa, do silêncio à beira mar, antes do canto com a multidão.

A imagem me capturou.

Ali não havia ídolos da MPB. Apenas dois senhores, velhos amigos, que conversavam amenidades:

– Olá, como vai?

– Eu vou indo, e você, tudo bem?

– Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você?

– Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe?

– Quanto tempo…

– Pois é, quanto tempo…

Na tradição mística, antes das aparições momentosas para a multidão, há o silêncio com o espaço para o mistério. Antes de achar o tom da música, perceber o ritmo da própria respiração. Olhar o mar adiante e mergulhar calmamente dentro de si.

Não há afoiteza da minha parte para interpretar a foto ou decifrar os códigos dos senhores grisalhos olhando para o além-mar. Deixa a conversa deles só para eles. Admirá-los assim, sem que percebam a nossa presença na cena, é o que temos e isso basta.

A foto do Paulinho da Viola (83 anos) e Caetano Veloso (83 anos) instantes antes do “Ato Musical 2: O retorno, no Rio” é de Cecília Rabello (@ceciliarabello).

Trata-se daquilo que o fotógrafo Cartier-Bresson chamou de deslumbre do momento decisivo. Captura de uma imagem preciosa que jamais se repetirá. Um pouco de sorte e muita sensibilidade.

Jesus disse que “se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mateus 6:22-23). Pelo olhar poético que não enquadra para reduzir, mas para reluzir. Deixa a luz natural entrar singelamente.

A foto do Paulinho da Viola e Caetano Veloso, instantes antes do “Ato Musical 2: O retorno, no Rio”, eterniza um modo de fazer política. A delicadeza dos poetas precede a esperteza dos marqueteiros políticos.

A inteligência dos músicos que tocam num lugar dentro da gente que parecia adormecido.

Há um tom adequado que inspira a esperança mesmo em tardes que parecem nubladas. O cinza predominante não é capaz de gestar um novo dia de aspereza. “A palavra branda desvia o furor”.

Pelo fato de ser poético e musicado, o ato não foi despolitizado. Pautas caras foram defendidas: contra a aprovação do PL da Dosimetria (Sem Anistia), apelo pelo fim do feminicídio, contra o marco temporal, pela investigação das emendas Pix e caso do Banco Master.

Seguimos vigilantes, enternecidos pela brandura do olhar que vislumbra com esperança o futuro.



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