Quando falamos em cultivar bons sentimentos, à primeira vista, até parece que não estamos discutindo um tema técnico, do universo da cardiologia. Mas a medicina comprova que certas doenças podem nem se manifestar ou serem tratadas com mais sucesso graças a comportamentos que refletem positividade: esta ponte existe e é mais estreita do que supúnhamos.
Estimular a espiritualidade está associado à redução de uma série de riscos cardiovasculares e ao enfrentamento bem-sucedido de situações adversas. E aqui cabe um parêntese sobre o que é a espiritualidade: trata-se dos meios encontrados por cada um para se conectar consigo, com o outro, com a natureza e com o sagrado. A espiritualidade engloba a religiosidade, mas não necessariamente uma pessoa espiritualizada segue uma religião.
A espiritualidade incita a ligação entre a psique e a saúde física, o que já foi avalizado em inúmeros estudos científicos. Perdoar, ser grato, otimista, ver o copo “meio cheio” promovem baixa da pressão arterial, um dos gatilhos para doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC).
Um experimento do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás avaliou os efeitos do perdão, gratidão, otimismo e propósito de vida em 100 pacientes com hipertensão. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que um recebia diariamente mensagens eletrônicas com reflexões positivas. Após 12 semanas, esses destinatários apresentaram redução média de 7,6 mmHg na pressão arterial sistólica.
Já revisões científicas identificaram menor incidência de fatores que levam às doenças cardiovasculares – tabagismo, álcool e sedentarismo, indicadores fisiológicos de estresse, ansiedade e depressão – naqueles que praticam espiritualidade e religiosidade. Os praticantes, aliás, estão mais aptos a seguir prescrições médicas. E este é um gargalo para os médicos: a falta de comprometimento com o próprio tratamento.
Outro estudo prospectivo afirma que adultos com expressão facial simpática e amistosa apresentam risco 22% menor de desenvolver problemas cardiovasculares. Já uma meta-análise publicada por especialistas da Universidade Harvard e do Hospital Monte Sinai, nos Estados Unidos, concluiu que indivíduos otimistas têm risco 35% mais baixo de sofrer eventos cardiovasculares.
O perdão, o cultivo de pensamentos elevados, a espiritualidade e todo o ranking de boa energia seguem tendo papel fundamental no momento de o paciente entrar em cuidados paliativos. Isso porque se tornam mais complacentes frente à finitude ou de patologias incuráveis. Os cuidados paliativos se concentram no alívio do sofrimento físico e emocional, possibilitando que se viva com mais conforto e dignidade, proporcionando suporte extensivo aos familiares.
A insuficiência cardíaca é um exemplo de doença sem cura que, em algum momento, pode depender de cuidados paliativos. Ela afeta 10% da população com mais de 65 anos. Com o passar do tempo, o músculo cardíaco fica mais enrijecido ou reduz sua capacidade de bombear o sangue de forma eficiente para as necessidades do corpo, aumentando a predisposição para IC.
É uma das principais causas de mortalidade e adoecimento no mundo. Após o diagnóstico, a sobrevida média é de 50% em cinco anos e, nas fases avançadas, de 50% em um ano. Entre 2014 e 2024 registrou-se 2.211.553 internações por IC no Brasil. Só em 2024 foram 202 mil.
Ela pode gerar abalo emocional, depressão, ansiedade e medo da morte. Diante dessas emoções intensas entra em cena uma das vertentes dos cuidados paliativos: o profissional de psicologia. Ele estará habilitado a ouvir, entender e orientar os pacientes sobre medos e dúvidas e assim fomentar maior anuência e aproveitamento dos paliativos.
Quando há uma compreensão mais ampla desta etapa de vida, acontece a promoção da paz, fazendo com que a doença não saia vencedora mesmo perante o inevitável. Portanto, seja para prevenir – “mens sana in corpore sano” –, tratar ou aceitar o que nos é reservado, manter bons sentimentos nos trará qualidade de vida a qualquer tempo.
* Álvaro Avezum é cardiologista e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP0; Suzana Avezum é psicóloga e psicanalista e uma das coordenadoras do Departamento de Psicologia da SOCESP
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