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PM de Rondônia mata dois e deixa centenas de famílias desabrigadas em reintegração de posse irregular: ‘Caçada humana’

by admin

Há uma semana, mais de 400 famílias sem-terra vivem dias de horror no município de Machadinho d’Oeste, no norte de Rondônia. Alvo de uma operação de reintegração de posse que contou com dezenas de viaturas policiais, tropa de choque e até um carro blindado, os camponeses foram retirados da área sem plano de desocupação – procedimento que deve ser adotado casos para garantir a segurança e dignidade das pessoas desalojadas. No reintegração, dois homens foram assassinados a tiros pelos policiais.

Uma parte das famílias vivia em uma porção de terra comprada perto da área reivindicada para a reforma agrária. A propriedade foi adquirida pelas famílias em 2022 e nomeada como acampamento Ipê.

“Eles se juntaram e compraram um pequeno pedaço de terra, com contrato de compra e venda. Lá, construíram o acampamento. Foi totalmente destruído”, conta o advogado Welington Lamburgini, que realiza assessoria jurídica para Comissão Pastoral da Terra (CPT) e acompanha o caso.

Mesmo com a compra do lotes, os moradores tiveram seus barracos, pertences e plantações destruídos. A expulsão das famílias teve início na segunda-feira (17), em uma operação cujo objetivo era desmantelar três acampamentos.

Policiais militares durante reintegração de posse que acabou com dois mortos | Crédito: Arquivo Pessoal

Espólio do família Di Genio

Além do Ipê, as famílias estavam organizadas em outras duas comunidades, nas fazendas do grupo Nelore Di Genio. As propriedades integram o espólio do empresário João Carlos Di Genio, fundador do grupo educacional Unip/Objetivo, falecido em 2022.

Em vídeos publicados em redes sociais e enviados a organizações de proteção dos direitos humanos, os sem-terra mostram o estrago. Os barracos de lona onde viviam as famílias foram destruídos, bem como as mudas de árvores que seriam plantadas em áreas de reflorestamento. Porcos e galinhas, que pertenciam aos acampados, foram deixados soltos na área.

“Isso aqui é arroz, ó. Arroz em casca, arroz colhido na terra”, mostra um morador, em vídeo enviado ao Brasil de Fato. Nas imagens, é possível ver os grãos espalhados pelo chão, perto dos barracos derrubados, com lonas rasgadas e todo tipo de pertence espalhado pela terra, como panelas, alimentos e roupas. Mais adiante, o morador mostra as mudas de árvores destruídas. “Cada sacola disso aqui era um pé de planta (…) Jogaram tudo, pisaram em cima, sapatearam”, lamenta.

Outras imagens enviadas pelos acampamentos mostram que a área era abrigo de muitas crianças. Algumas delas aparecem nos vídeos e, em outras cenas, há pequenos chinelos jogados pelo chão. “Tenho três crianças. Duas estão na escola agora (…) Olha como ficou minha cozinha. Vou cozinhar o que hoje para as minhas crianças?”, diz um morador, ao mostrar os utensílios de cozinha todos no chão, debaixo da lona também derrubada.

Dois mortos e nenhuma perícia

Na quinta-feira (19), policiais que patrulhavam a área mataram dois homens que pertenciam ao grupo de acampados. De acordo com a Polícia Militar (PM) de Rondônia, os irmãos Alex Santos Santana e Alessandro Santos Santana foram baleados durante uma troca de tiros com agentes do Batalhão de Choque. Na versão das famílias, os assassinatos resultam de perseguição policial. Não houve perícia na onde os irmãos foram encontrados baleados. Eles chegaram a ser socorridos, mas não resistiram aos ferimentos.

“Perdemos dois companheiros assassinados pela polícia sem dar direito a argumentos de defesa”, conta um agricultor, que pede para não ser identificado. “Perderam a vida porque (um deles) portava uma garrucha caseira e os policiais com todo o armamento pesado relatam que teve confronto”, diz.

Após as investidas policiais, muitas famílias procuraram abrigo na casa de parentes ou conhecidos. Outras passaram dias no mato sem ter para onde ir. “Nós recebemos muitas denúncias de que a polícia estava fazendo uma verdadeira caçada humana onde tinha sem-terra. Estava invadindo propriedade dos outros, violando propriedade dos outros. A polícia está fazendo isso, caçando pessoas e muito essas famílias ficaram escondidas no mato, com medo mesmo”, diz Lamburgini.

PMs cercaram reunião com agentes federais

No domingo (23), servidores públicos federais foram enviados à região para mediar o conflito. Durante o encontro com as famílias, realizado no distrito de Tabajara, em Machadicho d’Oeste, o espaço onde era realizada a reunião foi cercado por policiais militares, que exigiam o nome e o documento das cerca de 200 pessoas que participavam da reunião, impedindo-as de sair do local.

Reunião de moradores com servidores federais foi interpelada pela PM |  Divulgação

“Quem não dava essas informações era proibido de sair, ainda tem umas 80 pessoas aqui aguardando a solução desse impasse”, informou, na ocasião, Diego Diehl, coordenador geral de planejamento estratégico do Departamento de Mediação de Conflitos Agrários, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), em áudio cuja transcrição foi publicada em um blog local, Terra de Rondônia.

Além de Dieh, estavam no local Leador Machado, juiz aposentado e Ouvidor Agrário Nacional e Diretor do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA; Gervano Vicent, coordenador geral da superintendência do MDA em Rondônia e Antônio Heller, superintendente substituto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Rondônia.

Em vídeo publicado em redes sociais, o comandante da PM de Rondônia, Regis Wellington Braguin Silvério, informa que a polícia foi chamada ao local por proprietários de imóveis da área. “Foi solicitado apoio policial e assim executado, para que os oficiais realizassem a diligência judicial conhecida como citação da manutenção da posse dessas propriedades pelos seus proprietários”, informa.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança, Defesa e Cidadania de Rondônia, mas não teve resposta até a publicação deste texto.

Divisa com Mato Grosso

Machadinho d’Oeste fica na divisão com o estado do Mato Grosso, o maior produtor de soja do país, em uma área visada pelas empresas do agronegócio para a expansão desse cultivo. Atualmente, 40% da área do município é ocupada por atividades agropecuárias, sendo a maior parte por pastagens. Antes, a área era visada por madeireiros.

“É dentro desse contexto que a região tem sido o palco de muitos conflitos agrários. Além dos processos de grilagem de terra, tem tido muito registro de violência”, explica Lamburgini.

Esta não é a primeira vez que os camponeses da área sofrem com a violência. Em 2024, um grupo de homens encapuzados destruiu cerca de dez moradias no acampamento Ipê. Em 2023, na mesma região, o agricultor José Carlos dos Santos, conhecido como “Cascavel”, foi assassinado com 31 tiros disparados por pistoleiros encapuzados. No atentado, a esposa dele ficou ferida e outros camponeses relataram ameaças de morte.

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