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Podcast ‘Caso Herzog’ lança episódios inéditos sobre luta por punição aos torturadores

by admin

“Mataram o Vlado!” À medida que a repressão se esforçava para distribuir a versão oficial de que Vladimir Herzog havia cometido suicídio após prestar depoimento à polícia política, a reação àquela farsa cresceu de forma exponencial. Colegas, amigos, alunos, familiares e todos os brasileiros minimamente informados sobre a escalada de violência e terror que havia se alastrado pelas forças de segurança ao longo de uma década não hesitaram em concluir que aquela morte não tinha nada de suicídio. Herzog havia sido torturado até a morte no do DOI-Codi de São Paulo, o endereço mais truculento da ditadura.

Diretor de jornalismo da TV Cultura, Vlado havia se apresentado voluntariamente para prestar depoimento pouco depois das 8h naquela manhã de sábado, 25 de outubro de 1975. Às 17h, já estava morto. Horas depois, na esperança de driblar a responsabilidade por aquela morte, os agentes penduraram o corpo do jornalista pelo pescoço numa grade da janela e mandaram buscar um fotógrafo forense para registrar o álibi. O tiro saiu pela culatra. Na cena fraudada, Vlado aparece com as pernas dobradas e os pés arrastando no chão, alçado numa grade mais baixa do que ele e sustentado por um suposto cinto de pano que integraria os uniformes dos presos – um cinto que nenhum preso usava.

Essa parte da história está contada no primeiro episódio da série Caso Herzog, publicado em outubro. Nele, o ouvinte pôde conhecer o autor da foto fake e ouvir relatos de quem esteve preso junto com Vlado naquele dia – os jornalistas Rodolfo Konder e George Duque Estrada chegaram a ouvir seus gritos da cela vizinha, Sérgio Gomes foi barbarizado pelo mesmo torturador, Paulo Markun tentou avisá-lo do risco que corria com uma semana de antecedência. O primeiro episódio também evidenciou a campanha de ódio movida contra Herzog e o jornalismo da TV Cultura por parte da imprensa adesista e dois deputados estaduais da direita hidrofóbica da época – Wadih Helu e José Maria Marin “pediram a cabeça” do Vlado em discursos na tribuna.

Agora, os três novos episódios trazem o desenrolar desse novelo, do culto ecumênico que atraiu 8 mil pessoas na Catedral da Sé, sob a liderança do rabino Henry Sobel e do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, ao manifesto “Em nome da verdade”, assinado por 1.004 jornalistas em repúdio à versão oficial. Mas não só. Pela primeira vez, uma produção jornalística audiovisual reconstitui, de ponta a ponta, toda a jornada percorrida por Clarice Herzog em busca de justiça: cinquenta anos de enfrentamento à impunidade e esperança na democracia.

Foi justamente uma ação movida por Clarice no início de 1976 que inaugurou um novo capítulo na responsabilização do regime militar por um crime de violência de Estado. Após dois anos de tramitação, resultou na primeira condenação da União por um crime praticado na ditadura. No caso, uma ação declaratória que responsabilizou o Estado pela morte do jornalista, em outubro de 1978.

As primeiras representações do Ministério Público na área penal vieram em seguida, buscando investigar e punir os autores da tortura que o matou, em especial o policial Pedro Antônio Mira Grancieri, vulgo Capitão Ramiro, o homem que interrogou Herzog até a morte – e, anos depois, daria entrevista e teria seu rosto estampado na capa de uma revista semanal. Tudo isso está contado em detalhes em Caso Herzog, bem como a condenação do Brasil pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos, em 2018, e a reparação a Clarice, em 2025.

O podcast Caso Herzog é coordenado e narrado pelo jornalista e escritor Camilo Vannuchi, autor de outras três séries ambientadas na ditadura: Vala de Perus, Eu só disse meu nome e Nunca mais, esta última distribuída pelo ICL entre julho e agosto deste ano. Os roteiros foram escritos por Camilo Vannuchi e Pedro Belo e a reportagem foi feita pelos dois, juntamente com Antônio Farinaci, diretor do documentário Herzog: o crime que abalou a ditadura, lançado em outubro pelo ICL. Parte das entrevistas e da narração foi gravada nos estúdios do canal, em São Paulo.

“Este podcast, agora completo, vem suprir uma lacuna que faltava na memória desse capítulo inaceitável da história recente do Brasil: o registro da luta dos familiares de Herzog na Justiça”, diz Vannuchi. “A partir da iniciativa corajosa de Clarice, associada à ação muito séria de advogados como Samuel Mac Dowell e Marco Antônio Barbosa, juízes como Marcio José de Moraes e os procuradores da República Marlon Weichert e Eugênia Gonzaga, temos agora a oportunidade de conhecer – e reconhecer – a audácia de quem fez o que precisava ser feito na defesa dos direitos humanos e da democracia.”

Ainda segundo o narrador e roteirista, essa coragem não está circunscrita somente aos anos 1970 nem foi superada. “A impunidade perdura até hoje, não apenas para os assassinos de Herzog, mas também para quem matou Rubens Paiva, Fiel Filho, Stuart Angel, Honestino Guimarães, Heleny Guariba e tantos outros”, diz Vannuchi. “Hoje, uma das formas de lutar por justiça é ter a clareza de que a Lei da Anistia não pode ser obstáculo para que autores de crimes contra a humanidade paguem pelo que fizeram.”

O Caso Herzog está disponível gratuitamente nos canais ICL, ICL Notícias e Eduardo Moreira a partir desta quarta-feira, 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.



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