Ainda tem gente sem energia elétrica em São Paulo, quase 60 horas depois da queda no fornecimento, que afetou cerca de 2,2 milhões de pessoas na capital paulista. O transtorno teve início na quarta-feira (10), durante um vendaval que afetou o município.
“Cadê a Enel? Cadê a Enel?”, protestavam moradores do Bixiga, bairro na região central da cidade, cobrando uma resposta da empresa que, desde 2018, é responsável pelo fornecimento de energia elétrica.
No fim da tarde desta sexta-feira (12), ainda havia pontos sem luz no bairro. “Quem vai pagar o nosso prejuízo?”, questionava a frase de um cartaz. O Bixiga é conhecido por seus bares e restaurantes e, sem luz há dias, muitos comerciantes são afetados.
“É a terceira noite que a gente não abre. A gente tem samba de terça a sábado lá e a gente não conseguiu abrir na quarta, não conseguimos abrir quinta, hoje também não abrimos”, lamenta Victor Cavalcanti Balint, dono da Toca da Capivara, um bar de samba com dez anos de história no bairro.
“Dezembro é o nosso melhor mês de faturamento. Geralmente, é até o mês que a gente consegue fazer um pé de meia, porque quando começa a chegar essa época de bloco de carnaval, o faturamento cai bastante”, diz.
Em outro ponto da região central, no bairro Campos Elíseos, a energia voltou na manhã desta sexta-feira, mas os dois dias e meio no escuro já representam um pequeno rombo na economia nos pequenos negócios, como cafés e açougues.
Sem energia para manter as geladeiras ligadas, a comerciante Patrícia Russo, proprietária do Café Colombiano, um pequeno estabelecimento do bairro, perdeu sacos de gelo de água potável e muitos quilos de alimentos. Empanadas, legumes, temperos, leite, bolo e outros tantos produtos e ingredientes estragaram.
Além disso, o imprevisto chegou em um momento essencial para quem trabalha com comércio: o fim do ano. “Foram dois dias sem movimento na casa, isso foi terrível. Porque não fecha a conta no fim do mês, né?”, lamenta a comerciante, que, assim como o proprietário do bar no Bixiga, vê no mês de dezembro um momento essencial para se preparar para o início do ano seguinte. “Teria um movimento bom e que a gente tem que tentar ter uma reserva, porque janeiro é um mês muito complicado”, diz.
O prejuízo no café só não foi maior porque o estabelecimento contou com o apoio dos clientes e vizinhos. “Ontem [quinta-feira] a gente fez um vídeo [publicado nas redes sociais do estabelecimento] pedindo para as pessoas que quisessem comprar nossa produção… A gente vendeu num preço menor do que o valor”, conta. As arepas e empanadas, por exemplo, saíram pela metade do preço.
A falta de luz por ali já faz parte do calendário anual. Nos últimos três anos, o café ficou sem energia elétrica por longos períodos. “Em 2023, eu acho que foi em torno de 24 horas, mais ou menos. Em 2024, ano passado, foram três dias”, conta a comerciante.
A Enel, como sempre, informa que está trabalhando para solucionar o problema — embora o prejuízo fique mesmo com os comerciantes. “A gente fica meio desacreditado de ter qualquer solução, porque, na verdade, foi muita gente na cidade de São Paulo. Então, eu não sei até que ponto a gente acaba sendo atendido”, diz Russo, sobre um possível pedido de ressarcimento ou auxílio no prejuízo.
Já a prefeitura de São Paulo garante estar trabalhando para prevenir problemas como o enfrentado nos últimos dias. Entre as ações de prevenção mencionadas em nota enviada por e-mail ao Brasil de Fato, está o serviço de podas de árvores — já que, com os fortes ventos, os galhos ou mesmo árvores inteiras caem e prejudicam a fiação elétrica.
Esse serviço, no entanto, tem deixado a desejar, conforme noticiou, com exclusividade, o Brasil de Fato. Em reportagem publicada no dia 4 de dezembro, o BdF alertou que cerca de 75% dos chamados abertos para poda de árvores por moradores do distrito de Itaquera, no extremo leste da cidade, não foram atendidos pela prefeitura.
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), apontam que a região é a menos assistida por esse tipo de serviço na capital paulista. Entre janeiro e setembro de 2025, apenas 466 solicitações do total de 1886 foram atendidas, um percentual de 24,7%.
Embora Itaquera seja a região mais afetada, o problema está em outras áreas. Em toda a cidade, até 30 de setembro deste ano, 19.175 solicitações do serviço de Poda e Remoção de Árvores, feitas por meio do Portal SP156, estavam em aberto. O número representa 9,74% dos 196.777 pedidos feitos entre janeiro e setembro de 2025.
‘Só sei que está horrível’
Na casa da passadeira de roupas Edila Trindade, moradora da favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, a energia elétrica voltou na tarde desta sexta-feira. Por lá, a Enel chegou a fazer uma visita, e “disseram que uma árvore caiu bem em cima do gerador de luz”.
“Só sei que está horrível, os prédio da frente [de casa] ainda estão sem luz. A gente [ela e o marido, Wilson Trindade] estava tendo que tomar banho na casa da minha filha em outro bairro [Vila Carioca]”, conta Trindade.
No Kemel, uma região aqui do bairro Itaim Paulista, na zona leste, houve pessoas que perderam seus eletrodomésticos porque a energia ficou oscilando, de acordo com o relato da jornalista Thauane Blanche. “Já na Vila Curuçá, ainda nem voltou. O pior dia foi na quarta-feira, quando ficamos o dia todo sem energia, e só à noite ela voltou, porém apenas em alguns pontos isolados”, conta Blanche.
Na rua da produtora cultural Laíla Alana, que também mora no Campos Elíseos, a energia voltou depois das 18h desta sexta. “A gente já entrou em contato com eles [a empresa Enel] tanto pelo aplicativo, quanto por telefone e eles dão prazo que nunca é cumprido”, disse à reportagem do Brasil de Fato, minutos antes de ser informada que a luz havia voltado no seu prédio.
No período de quase 60 horas em que esteve sem luz, ela recebeu várias mensagem da empresa, informando que o caso “faz parte de um grupo de ocorrências mais complexas”. Perto dali, uma árvore caiu sobre a fiação. Às 20h desta sexta, ainda havia pontos sem energia no Bixiga. Um deles é o Bar da Capivara.
“Estamos aí rezando desesperados para pelo menos amanhã conseguir abrir, né?”, diz Balint.

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Enel informa que ao longo da quinta-feira (11), cerca de 500 mil novos casos ingressaram com solicitação de atendimento, em decorrência da continuidade dos ventos pela manhã. A empresa informa que, na tarde desta sexta, estava trabalhando para restabelecer o serviço para cerca de 830 mil clientes.
Outro lado
No comunicado enviado ao BdF, a Enel destaca que São Paulo e a Região Metropolitana foram atingidas por um vendaval considerado histórico pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que perdurou por cerca de 12 horas ontem.
De acordo com a nota, “as rajadas alcançaram 98 km/h, provocaram a queda de árvores e lançaram galhos e outros objetos sobre nossa rede elétrica. O Corpo de Bombeiros registrou mais de 1.300 chamados relacionados a quedas de árvores. O evento climático causou danos severos à nossa infraestrutura elétrica, afetando o fornecimento em diversas regiões. Para acelerar a recomposição do sistema, mobilizamos cerca de 1.600 equipes em campo ao longo do dia. Reforçamos que nossas equipes seguem comprometidas com a operação de atendimento a emergências. Em algumas localidades, o restabelecimento é mais complexo, pois envolve a reconstrução da rede, com substituição de postes, transformadores e, por vezes, recondução de quilômetros de cabos. Para atender situações prioritárias, contamos com 700 geradores”.
Já a prefeitura de São Paulo informa que as ações para o enfrentamento de eventos climáticos extremos são executadas continuamente na cidade, contribuindo para a redução de alagamentos e enchentes e dando mais segurança à população. Confira na íntegra o comunicado enviado ao Brasil de Fato:
A gestão tem uma secretaria específica para tratar das mudanças climáticas e, além disso, dois planos sobre o tema: Plano de Ação Climática (PlanClima SP) e Plano Preventivo de Chuvas (PPC). Os investimentos em ações de prevenção e combate às enchentes são recordes na atual gestão. Desde 2021, foram aplicados mais de R$ 9 bilhões em obras, serviços, manutenções e intervenções no sistema de drenagem, um aumento de mais de 100% em relação ao período de 2013 a 2020. Também foram entregues seis piscinões, aumentando a resiliência da cidade frente às mudanças climáticas e aos maiores volumes de chuva. Outros oito reservatórios estão em obras. Neste mesmo período, foram concluídas 20 grandes obras de canalização e construção de galerias subterrâneas, como as do Rio Aricanduva e dos córregos Itaquera e Jardim São Luís. Outras 23 estão em andamento, como a dos córregos Oratório e do Rodeio.
A seguir, as principais ações para o enfrentamento das mudanças climáticas:
Meio Ambiente e Drenagem – Para ampliar a área permeável na cidade, existem hoje 427 jardins de chuva. A instalação desses jardins ajuda a absorver água das chuvas e funciona como um complemento às ações de drenagem. Além disso, a cidade de São Paulo tem um dos melhores índices (mais de 50%) de cobertura vegetal entre as capitais do mundo. A atual gestão já declarou 50 áreas verdes particulares como de utilidade pública, o equivalente à cidade de Paris. Com isso, a cidade passa a ter 26% de seu território sob proteção.
Para auxiliar na diminuição da temperatura, a Prefeitura atua na expansão dos bosques urbanos, que aumentam a permeabilidade do solo e contribuem para o resfriamento da cidade. Atualmente, são 10 bosques em funcionamento e outros sete em execução, com a meta de implantar 40 novos núcleos de preservação.
Monitoramento de Riscos – O sistema de monitoramento de ocorrências também registrou avanços. Atualmente São Paulo conta com um Centro de Controle Operacional que monitora 24 horas por dia a condição meteorológica na cidade e envia informações às subprefeituras sobre a possibilidade de intercorrências. Em paralelo, inteligência artificial via Sistema Urano faz o acompanhamento dos piscinões e analisa dados meteorológicos para identificar onde e quanto vai chover. Na sequência, alertas são emitidos e as equipes são deslocadas com antecedência para agir em caso de inundações ou transbordamentos. As câmeras do Programa Smart Sampa complementam esse monitoramento durante as chuvas. Desde 2021, foram concluídas 354 obras para mitigação de riscos e outras 5 estão em andamento. Ao todo, foram concluídos 55.161 metros de canalizações e contenções de margens, enquanto que outros 35.515 metros estão em execução.
Limpeza urbana e zeladoria – Os serviços de zeladoria urbana, como limpeza das bocas de lobo, bueiros e ruas, são realizados ininterruptamente. De janeiro a novembro de 2025, foram executados serviços de drenagem e limpeza em 143.065 bocas de lobo, poços de visita e galerias, além da reforma de outras 42.988 bocas de lobo e poços de visita, com retirada de 6.171 toneladas de detritos. A cidade também passou a contar com 44 caminhões de hidrojateamento – antes eram 24 –, que desobstruem bueiros e bocas de lobo com maior rapidez e contribuem para um maior escoamento das águas de chuvas e redução de alagamentos.
Poda de árvores – A Prefeitura coordena ações de manejo de árvores na cidade ao longo de todo o ano e conta com um efetivo de 162 equipes, que neste ano podaram 162 mil e removeram cerca de 13 mil. Essas equipes têm, em média, 10 colaboradores supervisionados por um engenheiro agrônomo cada uma, além de estrutura adequada de equipamentos para agir em casos preventivos e de emergência. Aliás, o número de engenheiros agrônomos na administração municipal cresceu na atual gestão de 239 em 2021 para 394 no início deste ano.
