O ano de 2025 marca os exatos 40 anos da mais recente fase democrática brasileira, a chamada Nova República. Trata-se de um período extremamente conturbado, tanto em termos políticos quanto econômicos, mas que oferece importantes lições.
O período se inicia após o intenso movimento pelas Diretas Já, com a realização da primeira eleição – indireta – para presidente em 25 anos, na qual Tancredo Neves foi eleito. Às vésperas de assumir o cargo, ele foi internado e operado, de modo que José Sarney, seu vice (e antigo apoiador do regime militar), toma posse em março de 1985. Tancredo morreria uma semana depois, causando enorme comoção nacional. É assim que se inaugura a Nova República.
O governo Sarney seria marcado pela promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que lançaria as bases institucionais do novo regime, projetando um papel ativo para o Estado e importantes avanços sociais, ainda que em um contexto de fim da Guerra Fria e disseminação do neoliberalismo no mundo. Em um ambiente externo adverso, a inflação disparou, e as diversas tentativas de contê-la não só fracassaram, como intensificaram o problema.
O primeiro presidente civil eleito na Nova República teria de lidar com a questão. E o fez de forma desastrosa, com um plano de estabilização que sequestrou a poupança da população brasileira e que, novamente, não resolveu o problema e ainda o agravou. Além de um processo de liberalização econômica caracterizado por improvisos e um desempenho macroeconômico errático, o governo Collor seria marcado por inúmeras denúncias de corrupção que ensejariam seu impeachment.
Coube ao vice de Collor, Itamar Franco, finalmente domar a inflação. Em um cenário externo mais favorável (com a volta dos fluxos voluntários de capital para o país), seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique, capitanearia o Plano Real, baseado em forte valorização da moeda. A inflação foi de fato controlada, o que contribuiu para sua eleição e posterior reeleição à presidência.
A nova estrutura macroeconômica, contudo, cobraria seu preço. Em paralelo a uma intensa abertura comercial e financeira, o governo manteve juros muito elevados para atrair capital e valorizar o câmbio, além de praticar austeridade fiscal. O fraco resultado econômico e social – em um cenário marcado por instabilidade financeira internacional – facilitaria a chegada da oposição ao poder, com a eleição de Lula em 2002.
Em um contexto externo mais favorável, Lula logrou não só acelerar o crescimento, mas também distribuir a renda, em um dos períodos mais marcantes da história brasileira. Assim, observou-se um desempenho macroeconômico excelente, com melhoria de diversos indicadores sociais. Isso garantiu não só sua reeleição, como a vitória de sua candidata nas eleições seguintes, em 2010.
Apesar de alguns erros de gestão macroeconômica, em seu primeiro mandato Dilma deu continuidade a diversas políticas de seu antecessor. Porém, dados os 10 anos ininterruptos de crescimento e avanços sociais e os cenários doméstico e externo mais desafiadores, o governo foi cada vez mais pressionado a reverter suas políticas. Isto, em um contexto de desaceleração econômica, jogaria o país em uma profunda recessão e facilitaria o questionável processo de impeachment da primeira presidente eleita na história do país.
O vice de Dilma, Michel Temer, assumiria, realizando políticas austeras e reformas liberalizantes – o exato oposto do projeto eleito em 2014. O resultado medíocre em termos econômicos e sociais lhe garantiria patamares ridículos de popularidade, entre 3% e 7%.
Depois da suspeita (e depois revertida) prisão do candidato mais bem colocado nas eleições de 2018, esta mesma pauta de austeridade e liberalização seria continuada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, que ainda por cima lidou de forma catastrófica com a pandemia de Covid iniciada em 2020. As nefastas consequências de seu governo garantiriam, apesar de todo estelionato eleitoral de 2022, a volta de Lula ao poder. Não sem antes uma tentativa fracassada de golpe de Estado, diga-se de passagem. E é aqui que o país se encontra hoje, em 2025, com uma questionável retomada do crescimento, mas que está implicando inegáveis avanços econômicos e sociais.
E o que esses 40 anos nos trazem de lição?
Na esfera política, depois da prisão de quatro presidentes, o impeachment de dois, e uma tentativa fracassada de golpe de Estado, tem-se a constatação de que a democracia brasileira requer constante vigilância e engajamento da sociedade, sob o risco de guinadas políticas abruptas ou mesmo a volta de um regime ditatorial. A análise da evolução econômica, por sua vez, aponta na direção da necessidade de uma leitura atenta do cenário internacional, e de um projeto consistente e minimamente contínuo que logre trazer enriquecimento para o país e melhorias de fato dos indicadores sociais.
Nessas quatro décadas a sociedade brasileira avançou. Mas o fez de forma modesta e inconstante, com melhorias sempre sujeitas a retrocessos – econômicos, políticos e sociais. O balanço do período traz lições e desafios: é preciso aprender com erros e lutar permanentemente para defender a democracia, bem como para orientá-la na direção de um futuro mais próspero e justo.
*Luciano Alencar Barros é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
