A condenação do empresário Jimmy Lai por crimes ligados à segurança nacional marcou um dos julgamentos mais emblemáticos da história recente de Hong Kong. Fundador de um dos jornais mais influentes da cidade, o Apple Daily, Lai foi considerado culpado por conspiração para conluio com forças estrangeiras e por sedição, em um processo que durou cerca de dois anos e que simboliza a virada política e institucional do território desde a adoção da Lei de Segurança Nacional, em 2020.
Para Pequim e para as autoridades de Hong Kong, o caso representa um divisor de águas no enfrentamento ao que classificam como tentativas de promover uma “revolução colorida” na região, com apoio externo e objetivo de minar o princípio de “um país, dois sistemas”.
Governos ocidentais e organizações internacionais veem o julgamento como um sinal do encolhimento do espaço político e da liberdade de imprensa na antiga colônia britânica.
Quem é Jimmy Lai
Jimmy Lai nasceu na China continental e migrou ainda jovem para Hong Kong, onde construiu uma trajetória de sucesso empresarial. Começando como operário em uma fábrica têxtil, tornou-se bilionário ao fundar o grupo Giordano, no setor de vestuário, antes de ingressar no ramo da comunicação. Seu maior projeto midiático foi o jornal Apple Daily, criado nos anos 1990 e conhecido por sua linha editorial agressiva, sensacionalista e abertamente hostil ao governo central chinês.
Ao longo das décadas, Lai se consolidou como um dos críticos mais visíveis de Pequim em Hong Kong. O Apple Daily tornou-se uma plataforma central de apoio a movimentos pró-democracia, publicando editoriais, reportagens e artigos de opinião que atacavam diretamente o Partido Comunista Chinês e defendiam sanções internacionais contra a China. Essa postura lhe rendeu tanto prestígio entre setores oposicionistas e potências estrangeiras, além atenção constante das autoridades.
Além da atuação midiática, Lai manteve relações políticas com figuras de destaque nos Estados Unidos e em outros países ocidentais. De acordo com o tribunal de Hong Kong, ele se reuniu com altos funcionários norte-americanos e pressionou governos estrangeiros a adotarem medidas contra a China, ações que, segundo a acusação, configuraram conluio com forças externas.
Preso desde 2020, Lai já cumpria pena por outros crimes quando foi condenado no caso de segurança nacional, podendo agora enfrentar prisão perpétua.
O que foram os protestos de Hong Kong em 2019
Lai foi um dos encorajadores da tentativa de revolução colorida em Hong Kong em 2019. Naquele ano, manifestações foram registradas na Região Administrativa Especial (RAE) como uma reação a um projeto de lei que permitiria extradições para a China continental.
O movimento era claramente uma questão de geopolítica: a colônia britânica que foi reintegrada a Pequim em 1997 passou por uma série de reformas políticas para se integrar ao arcabouço estatal do resto do país, mas mantendo sua autonomia. Em 2019, passos decisivos foram dados neste sentido, consolidando a política de ‘Um País, Dois Sistemas’.
Rapidamente, porém, as manifestações ganharam proporções muito maiores, transformando-se em um amplo movimento contra o governo local e contra Pequim.
Embora muitos atos tenham sido inicialmente pacíficos, o movimento passou a registrar confrontos violentos, ocupações de prédios públicos, ataques a estações de metrô e agressões a opositores políticos.
Para o governo chinês, esses episódios evidenciaram que o protesto havia sido capturado por grupos radicalizados, com apoio e incentivo externos e internos. Foi nesse contexto que Pequim passou a usar com mais frequência o termo “revolução colorida” — expressão utilizada para descrever movimentos de contestação política que, segundo a narrativa chinesa e russa, são estimulados por potências ocidentais para promover mudanças de regime.
Em 2020, como resposta direta aos protestos, o governo central impôs a Lei de Segurança Nacional a Hong Kong, criminalizando atos de secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras.
O que diz a China
As autoridades chinesas e o governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong afirmam que a condenação de Jimmy Lai é resultado de um processo judicial legítimo, baseado em provas robustas e conduzido de acordo com a lei.
Segundo comunicados oficiais, Lai teria atuado como um dos principais articuladores políticos e midiáticos do caos de 2019, utilizando seu império de comunicação para inflamar protestos e pressionar governos estrangeiros a interferirem em assuntos internos da China.
As autoridades sustentam que suas ações minaram diretamente o princípio de “um país, dois sistemas”, pilar do retorno de Hong Kong à soberania chinesa em 1997.
O governo central também afirma que o caso envia um sinal claro de que Hong Kong entrou em uma nova fase, na qual a segurança nacional é prioridade absoluta.
“Qualquer pessoa ou organização que se atreva a desafiar as leis que salvaguardam a segurança nacional ou a se envolver em atos e atividades que coloquem em risco a segurança nacional será inevitavelmente punida com severidade”, afirmou o escritório do Partido Comunista da China para Macau e Hong Kong.
A condenação de Jimmy Lai, portanto, vai além de um caso individual. Ela simboliza o redesenho do ambiente político de Hong Kong, marcando o fim de uma era de confrontos abertos com Pequim e o início de um modelo mais rígido de governança, alinhado aos interesses estratégicos do Estado chinês.
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