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Em um sábado de junho, centenas de manifestantes marcharam até um centro de detenção do Immigration and Customs Enforcement (ICE) em Portland, no Oregon, e se reuniram do lado de fora da instalação. Em seguida, agentes federais equipados com trajes táticos dispararam gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.
Quatro meses depois, no fim de outubro, uma cena semelhante ocorreu em Alameda, na Califórnia, quando agentes lançaram granadas de efeito moral contra um grupo que protestava contra a chegada de agentes da patrulha de fronteira à região da Baía de São Francisco. Ambos os confrontos ganharam destaque nacional pelo uso da força e pelas recorrentes discussões sobre excesso de atuação federal sob a condução do presidente Donald Trump.
Episódios como esses vêm se tornando mais frequentes à medida que as tensões aumentam em todo o país. Seja em protestos e distúrbios — ou em conflitos militares e respostas a atiradores ativos — governos locais, estaduais, federais e internacionais estão ampliando seus gastos com coletes à prova de balas e produtos de “controle de multidões” para equipar suas forças.
Não surpreende, portanto, que o setor privado esteja assumindo esse papel. Uma dessas empresas é a Cadre Holdings, sediada em Jacksonville, na Flórida, que forneceu o gás lacrimogêneo usado em Portland em junho e as granadas de efeito moral utilizadas em Alameda em outubro.
Seus gases lacrimogêneos também foram empregados contra civis em lugares que vão do México à Palestina. Já seus coletes de proteção são usados por milhares de policiais, militares e agentes federais — do Exército da Dinamarca à Guarda Nacional da Virgínia Ocidental.
Por trás de tudo isso está Warren Kanders, ex-banqueiro do Morgan Stanley que passou décadas construindo um portfólio de empresas de defesa que vendem desde trajes antibomba e coletes balísticos até coldres e produtos de controle de multidões, incluindo balas de borracha.
Aposta nuclear
Ele começou a investir no setor em 1996 e levou a Cadre à bolsa em 2021. Desde então, coordenou pelo menos meia dúzia de aquisições, incluindo quatro desde o início de 2024. “A proteção hoje vai além de armaduras e trajes”, afirmou Kanders, de 68 anos, durante o dia do investidor da empresa em outubro. “Trata-se de fortalecer sistemas de defesa, proteger a energia e assegurar a espinha dorsal da infraestrutura crítica.”
Assim, enquanto os produtos usados na linha de frente concentram a maior parte da atenção da imprensa, a Cadre avança rapidamente para outras formas de proteção. Em março de 2024, adquiriu a fabricante de produtos de proteção contra radiação Alpha Safety por US$ 107 milhões (R$ 591,71 milhões).
Em abril, desembolsou US$ 90 milhões (R$ 497,70 milhões) pela Carr’s Engineering, que produz robôs, contêineres para combustível nuclear usado e outros equipamentos voltados à gestão de resíduos nucleares, além de atuar em medicina nuclear e energia.
Esse segmento de segurança nuclear tornou-se o que mais cresce dentro da empresa, respondendo por cerca de 17% da receita da Cadre, segundo a consultoria CJS Securities, de White Plains. Também é um dos principais motivos para a valorização de quase 30% das ações da companhia neste ano, em meio ao interesse dos investidores por empresas do setor nuclear.
O salto levou Kanders — que detém 28% da Cadre — ao clube dos bilionários, com patrimônio estimado em pouco mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,53 bilhões). “A maioria das ações ligadas ao setor nuclear teve desempenho significativamente superior neste ano”, afirma Larry Solow, analista da CJS Securities. “O nuclear ainda representa uma fatia minoritária dos negócios da Cadre, mas cresce de forma consistente, com potencial para mais fusões e aquisições.”
A Cadre acredita que esse mercado pode valer entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões (entre R$ 16,59 bilhões e R$ 33,18 bilhões), um prêmio considerável para uma empresa atualmente avaliada em US$ 1,7 bilhão (R$ 9,40 bilhões) em valor de mercado. “A área nuclear cresce muito rapidamente para nós”, disse Kanders à Forbes em entrevista por telefone.
Ao mencionar o trabalho da Cadre no complexo nuclear de Sellafield, no Reino Unido, e na limpeza de resíduos nucleares nos Estados Unidos, acrescentou: “As empresas que controlamos estão focadas em remediação, instrumentação e outras atividades ligadas ao nuclear, e seguimos expandindo isso.”
Timing perfeito de Kanders
Kanders tem histórico de bom timing nos mercados. Ele comprou, certa vez, uma empresa que fabricava blindagem para veículos Humvee por US$ 54 milhões (R$ 298,62 milhões) apenas um mês antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 e depois lucrou quando os militares precisaram desses veículos nas guerras do Iraque e do Afeganistão.
Em 2007, quando a opinião pública já demonstrava cansaço com os conflitos, ele e seus parceiros venderam o negócio de defesa por US$ 4,5 bilhões (R$ 24,89 bilhões). A estratégia de diversificação da Cadre agora começa a render frutos.
A companhia registrou lucro de US$ 36 milhões (R$ 199,08 milhões) sobre vendas de US$ 568 milhões (R$ 3,14 bilhões) em 2024, e sua receita nos primeiros nove meses deste ano cresceu 13% em relação ao mesmo período do ano anterior. As vendas ligadas à segurança nuclear responderam por cerca de 60% desse aumento, enquanto o restante veio da maior demanda por produtos tradicionais, como coletes, coldres e gás lacrimogêneo.
Ainda assim, Kanders não desacelera nos principais produtos da empresa, que continuam representando mais de 80% das vendas. No fim de outubro, a Cadre anunciou a aquisição da TYR Tactical — fabricante de equipamentos para unidades de operações especiais e forças militares estrangeiras, incluindo coletes, escudos e blindagens — por US$ 175 milhões (R$ 967,75 milhões).
Três semanas depois, a empresa também venceu um contrato de US$ 50 milhões (R$ 276,50 milhões) com o Departamento de Defesa dos EUA para fornecer sensores e softwares capazes de medir a exposição a explosões em operações de treinamento.
“Fabricamos todos os sistemas de proteção individual para governos estrangeiros”, disse Kanders à Forbes, destacando que a aquisição da TYR faz com que a Cadre passe a fornecer equipamentos para forças armadas da Dinamarca, Holanda e Suécia. “Os europeus estão investindo mais em prontidão e capacidade de defesa, então esperamos nos beneficiar disso.”
Trump X Cadre
A empresa também tem se beneficiado do aumento dos gastos governamentais com agências federais e forças de segurança. Kanders afirma que isso não está ligado ao aumento dos investimentos em defesa e imigração promovido por Donald Trump.
Dois dias antes da vitória eleitoral de Trump, ele disse, durante a teleconferência de resultados da Cadre em novembro de 2024, que “não prevemos nenhuma mudança”, independentemente do vencedor da eleição. “Houve muitos aprendizados, seja entre republicanos ou democratas, sobre as necessidades das forças de segurança e a importância de continuar investindo nessas áreas.”
Em entrevista por telefone à Forbes, Kanders se recusou a detalhar os contratos federais da Cadre. “Damos suporte ao governo dos Estados Unidos em todos os aspectos”, afirmou.
Ainda assim, contratos com governos federais, estaduais e municipais representam mais de dois terços da receita da Cadre, com as vendas provenientes de contratos federais crescendo quase 20%, para US$ 74 milhões (R$ 409,22 milhões), nos primeiros nove meses de 2025.
Em uma teleconferência de resultados em novembro, o presidente da Cadre, Brad Williams, destacou “investimentos federais significativos em agências governamentais” como uma tendência positiva para a empresa.
Outros investimentos
Fora da Cadre, Kanders também detém uma participação de 16% na fabricante de equipamentos outdoor Clarus Corp, além de possuir uma extensa coleção de arte, com obras de Jeff Koons e Yayoi Kusama, e investimentos em marcas de vestuário como Mountain Khakis e Carve Designs.
Seu maior investimento fora da Cadre é a Fisica, fabricante de produtos de defesa que produz antenas, sistemas eletromagnéticos e simuladores para as Forças Armadas dos Estados Unidos. Kanders investiu pessoalmente US$ 200 milhões (R$ 1,11 bilhão) para adquirir três empresas do grupo aeroespacial e de defesa L3Harris Technologies em junho de 2024 e reuni-las para lançar a Fisica.
Em abril, a Fisica também adquiriu a Space Vector, fabricante de sistemas aviônicos e baterias, por um valor não divulgado. “Fabricamos sistemas de radar para aeronaves, incluindo o F-15 e outras plataformas, como drones. Produzimos sistemas terrestres, então fazemos parte do Golden Dome”, disse ele à Forbes, em referência ao sistema de defesa antimísseis em múltiplas camadas que o governo Trump está desenvolvendo para proteger os Estados Unidos.
“Também produzimos sistemas de baterias para drones, mísseis e espaçonaves. É um negócio de defesa completo, integrado ao Pentágono, e mantemos muitos contratos com aliados estrangeiros.” A guinada para o setor nuclear não é a primeira reinvenção de Kanders.
Formado pela Brown University, ele iniciou a carreira nos bancos de investimento Morgan Stanley e Oppenheimer no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, antes de trabalhar para o bilionário canadense Jim Pattison — conhecido por controlar marcas como Ripley’s Believe It or Not e Guinness World Records —, ajudando a administrar seus ativos nos Estados Unidos.
Posteriormente, construiu uma rede de 205 lojas de óculos ao longo de quatro anos e vendeu o negócio para a fabricante francesa de lentes Essilor por US$ 228 milhões (R$ 1,26 bilhão) em 1996.
Kanders então usou parte desse capital para comprar 70% de uma pequena empresa que fabricava coletes à prova de balas para departamentos de polícia, acabando por criar, ao lado do veterano de Wall Street Robert Schiller, uma companhia de serviços de defesa chamada Armor Holdings.
Em 2006, a dupla havia adquirido 28 empresas do setor e construído uma companhia aberta com vendas de US$ 2,5 bilhões (R$ 13,83 bilhões), que foi vendida no ano seguinte à BAE Systems por US$ 4,5 bilhões (R$ 24,89 bilhões) em dinheiro.
De bilhões às polêmicas
Kanders embolsou US$ 230 milhões (R$ 1,27 bilhão) com esse negócio. Em 2012, voltou ao setor de defesa ao adquirir a Safariland — holding que reunia as antigas empresas de aplicação da lei e artigos esportivos da Armor — por US$ 124 milhões (R$ 685,72 milhões), em parceria com a equipe de gestão da própria Safariland.
Em 2018, a Safariland ganhou manchetes depois que seus cartuchos de gás lacrimogêneo foram usados por agentes de fronteira contra migrantes na fronteira entre Estados Unidos e México.
Em entrevista à Forbes na época, quando seu patrimônio era estimado em US$ 700 milhões (R$ 3,87 bilhões), Kanders destacou que os produtos de gás lacrimogêneo da empresa eram “não letais” e representavam uma parcela pequena da receita. “Estamos aqui para fabricar produtos não letais e fornecê-los a aliados do nosso governo por meio de canais muito bem definidos”, afirmou.
As críticas, porém, não cessaram. Em julho de 2019, Kanders renunciou ao cargo de vice-presidente do conselho do Whitney Museum of American Art, em Nova York, depois que oito artistas se retiraram da Bienal do museu em protesto contra sua presença no conselho.
Em comunicado anunciando a renúncia, Kanders classificou a polêmica como uma “campanha direcionada de ataques” contra ele e sua empresa. Os protestos pediram a remoção de Warren Kanders do conselho do Whitney Museum of American Art em 2018.
Kanders enfrentou ainda mais pressão no ano seguinte, quando protestos tomaram cidades americanas após o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis, em maio de 2020. O gás lacrimogêneo da Safariland foi usado para dispersar manifestantes em frente à Casa Branca em junho daquele ano.
Dias depois, Kanders anunciou que a Safariland deixaria o negócio de gás lacrimogêneo e venderia sua subsidiária Defense Technology, responsável pela fabricação de agentes químicos, munições e cassetetes para forças policiais e militares.
“Nossos produtos de segurança e sobrevivência sempre tiveram duas vertentes: a proteção defensiva passiva, como coletes balísticos, trajes antibomba e coldres de segurança”, escreveu ele em comunicado ao anunciar os planos. “Essa alienação remove o componente ativo e permite que a Safariland foque exclusivamente na proteção defensiva passiva.”
Apesar do anúncio, a Safariland nunca vendeu a Defense Technology. Quando a empresa abriu capital como Cadre Holdings em 2021, documentos enviados à Securities and Exchange Commission mostravam que a companhia ainda detinha a Defense Technology — que permanece como subsidiária da Cadre até hoje.
Segundo o site da empresa, ela continua fabricando munições de controle de multidões, incluindo projéteis de espuma e esponja, além de gás lacrimogêneo. Questionado sobre o motivo de não ter vendido a Defense Technology, Kanders preferiu não comentar.
Embora a Cadre faça negócios com o ICE e a Customs and Border Protection (CBP) — incluindo a venda de um robô ao ICE capaz de abrir portas, subir escadas e lançar bombas de fumaça durante operações — esses contratos não representam uma parcela significativa das vendas.
“Menos de 15% da receita vem de contratos federais dos EUA”, acrescenta Solow, que estima que o controle de multidões represente hoje menos de 5% das vendas da Cadre. “Apenas uma fração disso vem diretamente do ICE e da CBP.”
Kanders enfrentou muitas tempestades ao longo da carreira, desde embates com o então secretário de Defesa Donald Rumsfeld pela falta de veículos Humvee blindados durante a Guerra do Iraque até a indignação pública em torno do uso de gás lacrimogêneo de sua empresa cinco anos atrás.
Em todas elas, manteve a cabeça baixa e os negócios em movimento. Agora, com a empresa avançando cada vez mais para áreas menos controversas — como contenção de riscos nucleares e proteção contra explosões —, ele se encontra em sua melhor posição até hoje.
“Temos um negócio de segurança pública que, na verdade, é um negócio de segurança e sobrevivência”, afirma Kanders. À medida que governos em todo o mundo continuam a ampliar seus gastos com forças armadas e segurança pública, outra coisa que parece bastante segura é a sua fortuna.
