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Quem foi o Papa que tinha trono, varanda e altar a bordo de seu próprio trem?

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“Estrada de ferro, caminho para o inferno.” Este era o lema de Gregório XVI, o papa conservador que antecedeu Pio IX. A Revolução Industrial trouxe tensões em diversos setores, alterando processos de produção, relações de trabalho e meios de transporte. Em 1846, quando Giovanni Maria Mastai Ferretti assumiu o papado, o trem começava a ser visto como o transporte do futuro, e ele desejava abraçar essa modernidade.

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Roma-Velletri-Ceprano e Roma-Ancona-Bolonha. Nesse cenário, as companhias Pio Centrale e Pio Latina, responsáveis pelas linhas ferroviárias nos Estados Pontifícios, planejaram presentear o papa com um trem próprio.

Foi construído na França em 1858, ao custo de 140.000 francos, e era composto por três carruagens, cada uma com função específica. As duas primeiras — a Carruagem do Trono e a Carruagem da Varanda, também chamada de Loggia delle Benedizioni — foram criadas pela firma Delettrez et Compagnie.

O terceiro vagão, conhecido como vagão-capela, foi construído em Paris nas instalações da Compagnie Générale des Matériels de Chemins de Fer, sob o projeto do engenheiro e arquiteto Émile Trélat. Seus tetos eram decorados com afrescos de Jean Léon Gérôme e Charles-Antoine Cambon, retratando o papa inaugurando um trem e um navio, simbolizando sua intenção de se apresentar como um líder alinhado aos tempos modernos.

O vagão-capela era o mais ornamentado, equipado com altar e mobiliário litúrgico, permitindo que o papa celebrasse missas durante as viagens. O vagão-trono — com estofamento em amarelo e branco — era mais fechado e austero, destinado a reuniões oficiais e deslocamentos mais longos, funcionando como área de trabalho e descanso.

A terceira carruagem, a varanda ou carruagem panorâmica, possuía janelas abertas e colunas salomônicas, conferindo-lhe a aparência de uma “loggia móvel”. De lá, Pio IX podia saudar e abençoar os fiéis nas estações, aproximando-se do povo como nunca antes. O brasão de armas do papa foi pintado em letras grandes em uma das carruagens.

As carruagens foram transportadas da França para a Itália em 1859, subindo primeiro o rio Ródano até Marselha, seguindo por mar até Civitavecchia e depois para Ripa Grande, ao sul do Tevere. Pio IX fez sua viagem inaugural em 3 de julho de 1859, partindo da estação Porta Maggiore, em Roma, com destino à estação Cecchina (Albano), próxima a Castel Gandolfo.

Essa primeira viagem marcou o início de uma série de deslocamentos do papa por seus territórios, usando a inovadora infraestrutura ferroviária que ele próprio havia defendido. A última viagem com o Pontífice a bordo ocorreu em 1863, de Roma a Frosinone, sendo registrado em fotos famosas na estação de Velletri.

Por volta de 1870, com a captura de Roma pelas tropas italianas, os Estados Papais chegaram ao fim. Com a unificação da Itália, o trem foi desativado e abandonado, primeiro em Civitavecchia e depois na estação Termini, onde parte de sua decoração foi removida.

Do esquecimento à restauração

Somente em 1911, quando exposto no Castelo de Santo Ângelo para marcar o 50º aniversário da unificação italiana, o trem foi reconhecido como artefato histórico. A companhia estatal Ferrovie dello Stato assumiu sua recuperação, realizando uma primeira restauração para preservá-lo.

Por volta de 1930, o Estado doou o trem à Prefeitura de Roma, que o transferiu para o Museu de Roma, na Via dei Cerchi. Em 8 de agosto de 1951, as carruagens foram levadas para a nova sede no Palazzo Braschi, em um desfile que impressionou os romanos, obrigando até a alargar uma abertura na fachada da Piazza Navona.

Em 2010, o trem foi transferido para a Centrale Montemartini, museu de arqueologia instalado em antiga usina termoelétrica, parte dos Museus Capitolinos, onde está exposto desde 2016 na Sala de Caldeiras nº 2. O contraste entre estátuas clássicas e grandes máquinas desativadas cria um diálogo fascinante entre o antigo e o moderno.

Neste ano, coincidindo com o Jubileu, a história do comboio papal ganhou destaque na exposição interativa Le Vie del Giubileo, na Villa Farnesina, que explorou a relação entre peregrinos, trens e papas ao longo da história, ressaltando o valor do trem como símbolo de fé, poder e inovação tecnológica.

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