CELEBRAR SEM FERIR
Por Sharlene Serra
2026 já se anuncia e, à meia-noite, o céu se prepara para explodir em festa.
Nesse mesmo instante, acreditem, há vidas que não festejam.
Vidas que se encolhem.
Vidas que sofrem.
Não é falta de alegria.
É excesso de dor.
O barulho atravessa como quem invade uma casa sem bater, arrancando a porta.
Não pede licença.
Não pergunta quem está ali.
Ele chega e ocupa tudo.
Talvez a gente não perceba, porque nossos ouvidos se acostumaram. Mas há quem escute com o corpo inteiro.
Há quem sinta dor nos estrondos luminosos.
Quando uma criança tapa os ouvidos e chora, não é birra.
Quando um idoso se desorienta, não é fragilidade.
Quando uma pessoa com TEA, em qualquer idade, entra em crise, não é exagero.
Quando um animal foge, treme ou se fere, não é instinto sem controle.
É dor. E dor não se discute.
Dor se reconhece.
A verdade é que, enquanto alguns celebram por segundos, outros sobrevivem por horas.
E isso diz muito sobre o tipo de sociedade que estamos escolhendo ser.
O céu pode brilhar sem ferir.
A alegria pode existir sem produzir medo. A celebração pode incluir e não excluir.
Cumprir a lei é, sim, um dever.
Mas compreender o motivo dela existir é um gesto ainda maior, porque a lei nasce quando a dor de muitos já foi ignorada vezes demais.
Talvez empatia seja isso: perceber que o sofrimento que não nos alcança hoje pode alcançar alguém que amamos amanhã.
Ou pode nunca nos alcançar e, ainda assim, merecer nossa atenção.
Que a dor do outro não seja apenas notícia, nem exceção, nem incômodo.
Que ela nos atravesse o suficiente para mudar escolhas simples:
o som que soltamos,
o silêncio que respeitamos, o mundo que ajudamos a construir.
Que o ano novo não comece com estrondos, mas com consciência.
Com menos barulho fora e mais escuta dentro.
Porque quando a dor do outro passa a ser também a nossa,
o cuidado deixa de ser obrigação
e se transforma em humanidade.
Informações da Autora Sharlene Serra.
Sharlene Serra, de São Luís do Maranhão, escritora, poeta, presidente da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil, autora da Coleção Incluir (livros que abordam sobre inclusão) além de outros livros, com participação em Antologias Nacionais.
